quarta-feira, 9 de outubro de 2024

O NOBRE JOGO DE XADREZ (GUSTAVO CORÇÃO)


Quando despedi-me do Viana senti que carregava um vago sentimento de culpa. Então, enquanto transcorria na Islândia a disputa do campeonato do mundo, entre um americano e um soviético, como podia eu andar pelas ruas ruminando ideias alheias aos reis, damas, cavalheiros e bispos do xadrez? Corri ao jornaleiro, na ânsia de me inserir no momento histórico enxadrístico.

 

O leitor, apesar do retrato exageradamente desatualizado que publicam, certamente sabe que sou mais velho do que este agonizante e desvairado século; mas talvez não saiba que uma das minhas muitas e ardentes paixões foi o nobre jogo de xadrez. E aqui repito a ênfase do título, em homenagem ao autor do primeiro livro em que estudei, aos treze ou catorze anos, os rudimentos do jogo que François André Danican-Philidor sempre chamava de ‘le noble jeu d’echecs’. Como em geral se começam todas as coisas, comecei em casa vencendo mãe, padrasto, irmãos e agregados. Depois, já na Escola Politécnica, descobri o Clube de Engenharia e conheci os mestres da época: Caldas Viana, Raul de Castro, Barbosa de Oliveira, cujos sestros nos levaram a dizer que ele rocava os olhos, e João Mendes Júnior que me ajudou a galgar os primeiros degraus da carreira. Cheguei a jogar sem partido com a primeira turma, e por volta de 1920, se não me falha a memória, teria sido campeão do Brasil se não tivesse abandonado um torneio em que já tinha quinze vitórias sem nenhuma derrota. Justamente quando já poderia dizer, como Corregio, ‘anch’io sono pittore’, isto é, enxadrista, deixei o xadrez e o clube. Ouvi nestes dias várias histórias das explosões temperamentais de Bob Fischer, que me parecem mais humanas do que a gélida placidez do adversário soviético que, antes de qualquer manifestação de mau humor, tem de consultar Moscou.

 

O leitor, se não é enxadrista, talvez não saiba que o nobre xadrez é o mais apaixonante e enervante de todos os jogos. Poderíamos encher uma biblioteca com enciclopédias de agastamentos, reclamações e brigas em torno desse jogo aparentemente inventado por e para homens fleumáticos.

 

E explica-se bem a força de exasperação escondida naquelas figuras imóveis, e naqueles jogadores de fisionomias impenetráveis. O xadrez é o único jogo onde cada um joga numa total solidão, e não pode contar com nenhum fator de sorte, a não ser num eventual e discreto derrame no parceiro. O próprio jogo, em si mesmo, é o menos físico dos jogos, o menos aleatório. Cada jogador é senhor absoluto de suas peças. É uma espécie de deus defrontado por outro deus. E não há, para o homem, situação mais inconfortável. A vida, a larga e espaçosa vida, nos seus piores momentos sempre nos proporciona ao menos esta saída: a de responsabilizar o irmão, a mulher, o sogro, o vizinho e as coisas irracionais, e até as inanimadas, por nossos insucessos. A culpa é de... e por esta fresta descarregamos nossas tensões internas.

 

O xadrez não permite esse bálsamo. Implacavelmente sou eu mesmo, dentro de todo o universo, o único culpado de ter jogado o lance incorreto C5B em vez de B3C. Não posso culpar ninguém, não posso queixar-me de nada. Não posso sequer insinuar uma perfídia. Nada. Implacavelmente, o tabuleiro de xadrez me acorrenta na solidão total de uma derrota tecida por minhas próprias mãos.

 

Além disso, como se não bastasse tal peculiaridade, o jogo de xadrez exige do bom jogador uma atitude ainda mas tensa e mais dificilmente tolerável: diante de suas peças arrumadas na posição inicial o jogador deve defender-se de qualquer desejo próximo de ganhar. Ele deverá começar seu jogo: P4D, C3BR etc. etc... sem o menor desejo de ganhar. Que objetivo têm então os lances do jogador? Simplesmente o de potencializar as peças em seu conjunto posicional. Ele joga sempre com esse único e depurado objetivo, até perceber que o adversário, no seu desenvolvimento, produziu um ponto fraco, indicador de todo um plano errôneo, ou isoladamente fraco. Deste momento em diante o jogador deixa de ser um organizador, um capitalizador, e se transforma num lutador, ou num caçador que, com crueldade crescente, persegue a fraqueza, para transformá-la em ruína total do inimigo. Paralelamente, e na mesma proporção que cresce a agressividade do jogador que sente os pontos fracos do adversário, cresce neste a convergência de todos os esforços na neutralização daquela ferida. Um quer matar, o outro quer sobreviver. E, em torno de um tabuleiro com bonequinhos de madeira, dois homens feitos à imagem e semelhança de Deus realizam a máxima concentração de desejo e atenção, como se ali, naquele momento, estivessem em jogo a honra, a saúde, a felicidade e a vida eterna.

 

O jogo de xadrez é uma experiência que nos permite aquilatar a terrível e maravilhosa capacidade que tem o homem de buscar a perfeição máxima numa coisa evidentemente irrelevante. Será uma loucura o que fazem Fischer e Spassky na Islândia? Não. A seu modo, e em estilo desconcertante, ambos glorificam o homem, e por conseguinte glorificam a Deus.

 

 

(Gustavo Corção)

terça-feira, 27 de agosto de 2024

SANTA MÔNICA


No dia 27 de agosto, a Igreja comemora a Festa de Santa Mônica, mãe de Santo Agostinho.

A essa santa mulher, às suas insistentes orações, devemos esse grande dom que foi para a Igreja e para a humanidade Santo Agostinho, que influenciou e ainda influencia incrivelmente a Civilização Ocidental.

Sejamos agradecidos à Santa Mônica. E que ela interceda por nós, pela nossa conversão e por todos os psicólogos, no seu dia.


quarta-feira, 26 de junho de 2024

'LIVE' SOBRE O SÉCULO DO NADA

Caro leitor, tive a honra de ser convidado pelo "Cultura e Fé Católica" para uma 'live' sobre o último livro escrito pelo Corção, por sinal, um livraço!, que analisa com pormenores, erudição e profundidade a crise do mundo e da Igreja nos tempos atuais, atacados por sinistrite aguda. Trata-se do enciclopédico "O século do nada", recentemente reeditado pela Vide Editorial.

Espero que goste. Se gostar, divulgue! Segue-se o link:




quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

É DRAMÁTICA A SITUAÇÃO DO BRASIL

Qualquer pessoa que tenha um mínimo de sensatez, que não esteja completamente alienada, sabe que o Brasil vive momentos dramáticos. Vivemos em plena ditadura de esquerda, inclusive com polícia de Estado, perseguindo opositores. As instituições estão carcomidas, dominadas, possessas. Onde nossos bispos nos meteram, apoiando a esquerda durante décadas, ignorando completamente o Magistério da Igreja? Aonde nos leva a cumplicidade ou covardia dos nossos bispos? Aonde nos leva a militância da CNBB? A função do pastor é defender o rebanho. No Brasil, os pastores jogaram as ovelhas na boca dos lobos. Proponho que todas as cidades do Brasil se empenhem em organizar grupos que rezem o rosário completo, pelo menos uma vez na semana, de preferência aos sábados, dia consagrado a Nossa Senhora. Precisamos criar grupos e mais grupos que rezem o rosário. O rosário é nossa única arma diante dos Golias que nos ameaçam de todos os lados. Imploremos a ajuda Daquela que pode e quer nos salvar! Nossa Senhora Aparecida, rogai por nós! São Pedro de Alcântara, padroeiro do Brasil, rogai por nós!

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

AS DUAS POBREZAS E AS DUAS FORÇAS

Gustavo Corção Braga

"Sim, meu padrasto. Nesse tempo minha mãe se casara de novo com um personagem fabuloso que os filhos haviam descoberto nas matas do Trapicheiro. Era uma espécie de guarda-florestal que vivia numa caverna e usava barbas terríveis, atrás de cuja sombra brilhavam olhos de mel e escondia-se o melhor coração das redondezas. Para nós ele era uma espécie de meio-termo de entre o Capitão Nemo e Miguel Strogoff. E tanto insistimos que mamãe quis conhecer o prodígio pelo qual seus filhos estavam apaixonados, e apaixonou-se por ele também. Casaram-se com simplicidade, casando as duas pobrezas, mas também as duas forças." 

Gustavo Corção Braga nasceu em 17 de dezembro de 1896, no Rocha, Rio de Janeiro. Nas proximidades do seu aniversário natalício, com esse belo trecho, essa bela citação da crônica "Dia das Mães", que pode ser encontrada no livro "Conversa em sol menor", gostaria de pedir ao leitor as suas orações pela alma desse nosso heroi da fé e exímio escritor, polemista e apologeta católico, como também, em sinal de reconhecimento pelo bem que ele nos fez e ao Brasil, com seus escritos, exemplos e ensinamentos, pelas almas de seus pais, Francisco Braga e Gracietta Corção, de seu padrasto, seu Castanheira, de sua primeira esposa, Diva Corção, por sua segunda esposa, Hebe Corção, por seus filhos e netos.



quinta-feira, 16 de novembro de 2023

A VERDADEIRA HISTÓRIA DA MULA SEM CABEÇA


Confundido com o burro, o jegue e o jumento, o asno é tido como um animal dado a asneiras. Sei, porém, de um asno que, rebelando-se contra seu passado de jumentices, adquiriu saber e ciência, bem como o respeito de toda a bicharada.

Erasmo era o nome do asno.

Eis a iluminação, o pensamento libertador do pobre quadrúpede: "Renego a tradição de meus ancestrais! Não vou carregar esse fardo de burrices! Aliás, sou asno, e não burro. Burro é o burro!"

Até então, ao longo dos séculos, aberta a sucessão testamentária de um asno, percebia-se que o monte compunha-se apenas de ignorância e curteza de espírito.

Erasmo pastou muito até chegar à universidade. Mas, é preciso dizer que, não obstante sua condição animalesca, era um aluno privilegiado. Em primeiro lugar, porque ele era sua própria condução: ia trotando feliz para o campus. Nunca tivera de enfrentar o Circular 05. Em segundo lugar, porque havia bastante capim no campus e, assim, economizava também o dinheiro do bandejão. O nosso asno era, pois, econômico e chamava a atenção de todos os seus colegas universitários, que acabaram acostumando-se com o seu cheiro.

Aliás, seus colegas prognosticavam: "Esse burro vai longe!" "Esse jumento ainda vai ser juiz!"

Nem gostaria de comentar as agruras por que passou esse primo de jegue por ocasião de sua colação de grau! Todo o reino animal alvoroçara-se, pretendendo ser convidado para a solenidade. Baldada a agitação... A onipotente Comissão de Formatura estabelecera que apenas os pais e irmãos de Erasmo poderiam comparecer à solenidade.

Colado o grau, Erasmo foi coroado o rei da floresta. Sua erudição tornou-se proverbial, ficando internacionalmente conhecida. Era o Salomão da caatinga, do cerrado e da estepe! Todos os animais comentam o progresso da selva sob o governo do douto imperador. O leão foi enxotado com o rabo entre as patas, como um intransigente ignorante.

***

Mulata era uma mula. Uma mula espetacular, diria até, estupefaciente. Foi o único outro caso de animal estudando na universidade. Como Erasmo, ao contrário de todos os outros animais, por algum estranho prodígio, também foi dotada de alma racional. Apaixonou-se por Erasmo durante os estudos, foram colegas. Derrubava livros no chão de propósito de forma dissimulada para que o nosso distraído herói, de passagem, gentilmente os pegasse.

Mas, meus amigos, nem tudo é alegre nessa vida e, particularmente, nessa história. Embora fosse a mula mais bonita do sistema planetário, mais bonita que a lua e as estrelas, superando até suas colegas que andavam sobre duas patas, digo, pernas, Mulata não era correspondida. Desolada, começou a embriagar-se devido ao insucesso do seu amor platônico. Toda a floresta começou a dizer a seu respeito: "Está um caco! Foi-lhe embora o juízo, perdeu a cabeça...".

E essa, meus amigos, acreditem ou não - já adivinho o espanto do leitor! -, é a verdadeira história, a incontestável origem, da mula sem cabeça.



quinta-feira, 26 de outubro de 2023

HALLOWEEN

 

O próprio bom senso deveria levar as pessoas a abominar o Halloween, uma festa em que se exalta o feio, o mórbido, o macabro, a morte, o ocultismo e os crimes. Que há de belo no Halloween? Que valor humano é enaltecido ou estimulado? Qual é a mensagem positiva que ele passa? Nenhuma. Pelo contrário, a mensagem é claramente sombria e negativa.

É de lamentar-se o espírito de manada que parece governar boa parte dos brasileiros, dos pais de família, que se deliciam com uma festa importada sem menor aviso, festa aliás que nada tem a ver com nossa cultura e nossos valores civilizacionais cristãos. Até pouco tempo atrás, o Halloween era apenas um modismo tolo de escolinhas de inglês. Depois, propagou-se com a velocidade do som e invadiu nossas cidades e nossos condomínios. Onde está nosso bom senso? Onde está nossa sensibilidade espiritual, nossa inclinação para o bem e aversão para o mau?

Como não basta o bom senso, que deveria ser suficiente, consultem-se os especialistas, como o exorcista português Antônio Duarte Lara, que em diversos vídeos do Youtube menciona o entusiasmo com que os satanistas celebram essa data, que inaugura o ano novo satânico, às três horas da manhã (por inversão da hora da misericórdia, do triunfo de Cristo na Cruz), inclusive com sacrifícios humanos de fetos concebidos sete meses antes.

Não, meus amigos. Isso não é brincadeira. Não podemos participar disso.