terça-feira, 3 de dezembro de 2019

GUSTAVO CORÇÃO: BREVES APONTAMENTOS BIOGRÁFICOS E CRONOLOGIA

Gustavo Corção Braga


BIOGRAFIA

Gustavo Corção Braga nasceu em 17 de dezembro de 1896, no Rocha, subúrbio do Rio de Janeiro. Nasceu no período chamado "Rio Antigo", em que a cidade vivia num ritmo completamente diverso do de hoje e era a capital administrativa e cultural do país. Aliás, era também a capital cultural da América Latina.

Foi o segundo filho de Gracietta Corção e de Francisco Braga. Sua mãe ficou viúva aos vinte e seis anos e teve de trabalhar arduamente para sustentar os cinco filhos, inclusive como costureira, apesar de ter tido uma educação refinada, tocar piano e falar francês. Corção relata em uma de suas crônicas, trazida no "Conversa em sol menor", que sua mãe trabalhava então das cinco horas da manhã até altas horas da noite.

Enquanto precisou dedicar-se à costura, Gracietta reuniu recursos e tomou aulas para poder alugar uma casa e abrir um colégio interno chamado “Colégio Corção”. Morou nele com os filhos e os alunos, mais dois portugueses que alugavam quartos na casa. Devemos dar graças a Deus por essa circunstância providencial: Corção, dotado de inteligência excepcional, morava em um colégio. Sua casa era um colégio. Ele começou aprendendo, mas logo passou a ser professor. Animal professor, como gostava de dizer.

Gustavo tinha uma inteligência prodigiosa. Normalmente, mesmo os gênios são bons, muito bons ou excelentes em uma coisa ou outra, em duas ou três. Corção era completo; tinha uma inteligência prodigiosamente diversificada. Sobressaía em quase tudo que fazia.

Aos sete anos construiu sua própria luneta com umas lentes que arranjou. Aos dez anos já dava aulas de aritmética por dez mil réis. Na adolescência ganhou um concurso de saltos. Praticou esgrima. Fez aulas de piano e violino. Passou no vestibular e entrou no curso de Engenharia com dezesseis anos. Praticou xadrez e quase foi o campeão nacional. Só não o foi porque abandonou a competição. Tinha já quinze vitórias consecutivas. Estudou astronomia e fez um concurso para ter acesso ao Observatório Nacional, em que foi prejudicado. Recordando o fato, trouxe para as páginas dos jornais um belíssimo pensamento: "Para o razoável equilíbrio do mundo é bom que os moços encontrem algumas resistências em todos os seus amores."

Inventou um método novo e superior ao então em uso de determinação das latitudes.

Participou das primeiras transmissões transoceânicas de rádio da América Latina. Da primeira iluminação do Cristo Redentor.

Abandonou a Engenharia e trabalhou em astronomia de campo no Mato Grosso. Pegou malária e voltou para o Rio de Janeiro transformado, adulto. Trabalhou ainda um pouco com astronomia de campo no Rio, com força e luz e eletricidade industrial, no interior do Rio e do Espírito Santo (Cachoeiro do Itapemirim). Passou a dedicar-se e a ensinar eletrônica aplicada às telecomunicações na Escola Técnica do Exército (Instituto Militar de Engenharia), na Radiobrás, na Companhia Telefônica Brasileira e na Escola de Engenharia da UFRJ. Foi conselheiro do Conselho Federal de Cultura.

Perdeu a fé e se associou a um grupo de amigos anticlericais, revolucionários, marxistas e nietzschistas que frequentava a sua casa. Quando esteve prestes a entrar em uma célula comunista e a passar da conversa fiada para as ações perigosas - não por estar convencido do marxismo, mas por pragmatismo -, sua mulher, Diva Corção, morreu, o que lhe causou uma profunda crise espiritual. Com a morte da mulher, Corção percebeu que sua fase revolucionária foi uma gafe.

Cerca de três anos após a morte da mulher, fortemente influenciado pela leitura de Chesterton e de Jacques Maritain, igualmente pelo contato com o mosteiro de São Bento, volta a fé do seu batismo, com toda a convicção, com todo o coração e com todo o vigor da sua inteligência. Ele viria a ser, talvez, a figura mais destacada do Centro Dom Vital e do laicato brasileiro nas décadas seguintes.


CRONOLOGIA

 
- 1919: Jackson de Figueiredo funda o Centro Dom Vital.

- 1928: morre Jackson de Figueiredo, e Alceu Amoroso Lima assume a presidência do Centro Dom Vital.

- 1936: morte da mulher, Diva.

- 1939: converte-se ao catolicismo, com 42 anos.

- 1944: escreve “A descoberta do outro”, suas confissões.

- A primeira edição de "A descoberta do outro", o primeiro livro da celebérrima Editora Agir, fundada por Alceu Amoroso Lima, esgotou-se em menos de duas semanas. A segunda, em menos de um mês. A terceira, em menos de dois meses.

- Alceu Amoroso Lima afirma que Corção arrombou com dedo de anjo – e não com pé-de-cabra – as portas da literatura brasileira. O mesmo Alceu viria a dizer que Corção era o maior escritor brasileiro vivo.

- Corção passa a ser cronista dos melhores jornais do país, com duas crônicas semanais: "Diário de Notícias" e "O Globo", do Rio, "O Estado de São Paulo", "O Correio do Povo", de Porto Alegre, "A Gazeta do Povo", de Curitiba, "A Tarde", de Salvador.

- Torna-se Vice-Presidente do Centro Dom Vital, e redator-chefe da Revista "A Ordem", prestigiosa revista do Centro, com larga influência no clero e assinantes no exterior.

- 1946: lança seu segundo livro, “Três alqueires e uma vaca”, um ensaio sobre a obra de Chesterton.

- A obra começa com a descrição do que são um livro e o leitor dos sonhos de qualquer escritor.

- O livro disserta sobre o distributismo, com críticas duras ao capitalismo e ao socialismo e com o elogio e a defesa da propriedade privada. Tece os mais valorosos elogios à doutrina social da Igreja.

- A obra está dividida em três partes: para não ser doido, para não ser escravo e para não ser bárbaro.

- Para não ser doido, o homem deve estar aberto ao mistério e não pretender submeter tudo ao juízo da razão. Oposição ao racionalismo.

- Para não ser escravo, o homem precisa ter sua própria propriedade, ainda que esta consista em três alqueires e uma vaca. O ser humano precisa ser rei, ser senhor absoluto pelo menos dentro dos estreitos domínios da sua própria casa.

- Para não ser bárbaro, o homem precisa ser fiel à palavra dada, aos compromissos e à tradição. A tradição é a democracia dos mortos. O divórcio é um ato de bárbaro.

- 1950: lança “Lições de abismo”, sua única obra de ficção, seu único romance.

- Talvez o livro retrate sua própria conversão em forma de romance, ficcional. O protagonista do livro, José Maria, descobre que tem uma doença terminal, que lhe restam poucos meses de vida. A partir dessa descoberta, ele repensa toda a sua existência.

- Sente-se um paralelo com “A morte de Ivan Ilitch”, a esplendorosa e perfeitíssima novela de Tolstói, obra-prima da literatura russa.

- A obra contém aguda e fina crítica social.

- Contém uma original e sensível descrição do natal dos nossos dias, verdadeiro insulto ao pobre.

- O livro ganhou dois prêmios, um deles da Unesco.

- Segundo o escritor Menoti del Pichia: "Lições de Abismo" foi maior romance já escrito no Brasil.

- A obra foi traduzida em seis línguas.

- Década de 50: Corção torna-se Presidente do Centro Dom Vital, enquanto Alceu reside nos EUA.

- 1954: “As fronteiras da técnica”.

- Crítica ao cientificismo.

- “Meus pulmões normais”.

- 1956: “Dez anos”.

- Reunião de crônicas.

- 1958: “Claro Escuro”.

- Ensaio sobre sexo, casamento, divórcio e amor.

- Crítica ao cientificismo. “O adultério é um mero resfriado”.

- Argumentação pela razão natural, não pela fé.

- Os inocentes castigados (os filhos). “O divórcio é um desastre cósmico”.

- 1965: “O desconcerto do mundo”.

- Manuel Bandeira diz: deveria ser traduzido em todas as línguas, para que todos saibam que merecemos o Prêmio Nobel.

- Ensaio sobre Camões, Eça de Queiroz, Machado de Assis e sobre arte (estética).

- 1967: “Dois amores – duas cidades” (obra magna)

- A civilização do homem interior. A civilização do homem-exterior.

- Obra de filosofia da história. Trabalho de grande erudição.

- O nominalismo. A escolástica decadente. Lutero, o protótipo do homem moderno, subjetivista, relativista, irracionalista, rebelde.

- As filosofias da inimizade ou do ressentimento: o comunismo, o nazismo.

- 1973: “O século do nada”, suas retratações.

- Na verdade, retratações para Jacques Maritain.

- Crítica ao “Camponês do Garona”, ao "Humanismo Integral" e a outras obras de Jacques Maritain, em que não se via a sua oposição vital primeira ao comunismo e ao socialismo.

- O comunismo como ópio do clero, sua ascensão na França dos anos 30 e 40 e sua vinda ao Brasil.

- Seu desligamento do Centro Dom Vital e afastamento de Alceu Amoroso Lima.

- Criação do "Permanência" e da Revista "Permanência".

- Críticas severas à teologia da libertação.

- Livro premiado.

- 1980: “Conversa em sol menor”.

- Esplêndida autobiografia com crônicas recolhidas e reunidas em ordem cronológica.

- Prefácio inspirado em Garrigou-Lagrange.


CONCLUSÃO
 

Corção é o segundo Machado. Único escritor modernista límpido machadiano, com humor à inglesa.

Ele possui uma prosa poética. Ritmo. Métrica. Escolhe minuciosamente as palavras. Tem uma suprema elegância e incrível sinceridade.

Suas principais obras constam de ensaios e de crônicas. Artigos em revistas especializadas no Brasil e no exterior.

Revista "A Ordem". Foi primoroso até quando escreveu em francês.

Oblato beneditino: tomou o nome de Paulo.

Dom Marcos Barbosa, seu confessor, imortal da Academia Brasileira de Letras, traduziu “O pequeno príncipe” para o português. Foi ideia de Corção o uso do verbo cativar na seguinte frase: "Tu és eternamente responsável por aquele que cativas".

Faleceu em 6 de julho de 1978.

Sua obra começou a ser republicada pela Vide Editorial, selo da Editora Ecclesiae mais dedicado à filosofia e à política, em 2018, quarenta anos após a sua morte.