Rio de Janeiro,
28 de março de 1967
[...]
Há quanto tempo sem cartas! E quanta, quanta coisa desde então, que ficará sepultada nas palavras conversadas, de que só nos recordaremos no... Juízo Final! Mas que tiveram sua gostosura - no meio da tragédia do desastre do Jorge [filho de Alceu, vítima de acidente de carro], do "dia-sim-dia-não" de Campinas a São Paulo, já de saudosa memória - tal o entrelaçamento de coisas claras e escuras em nossos dias.
[...]
Volto ao princípio da carta. Quero relatar o encontro mais importante de ontem. Você bem sabe qual foi. O Corção não estava. Ótimo, para aumentar o transe. Fui à casa do dr. Olgério. Também ninguém. Fiquei lá de molho uma hora. Às 6 e meia chegam os meninos do Jorge e Marly, com os avós.
Às 7 e meia, volto ao Corção. Vi luz acesa. Devia estar. Bato à porta. Ele mesmo entreabre o postigo e abre, com um sorriso muito acomodado. Como está velhinho!
"Corção, deixe explicar-lhe logo o motivo da minha visita. Você sabe que estou com um filho passando muito mal." "Sei e tenho rezado por ele todos os dias." "Eu já sabia, pelo Octávio (de Faria), do seu interesse pelo caso, e fico-lhe grato. Não me leve a mal se, nesta visita, venho lhe contar como tudo se passou: meu filho ainda estava em estado de coma. Durante a missa, pergunto a Nosso Senhor: 'Qual o maior sacrifício que posso fazer, pela vida de Jorge?' E ele, sem hesitar: 'Uma visita ao Corção'. Relutei mas acabei no 'fiat' ["que seja feito"]. Ao chegar ao hotel, diz-me minha mulher: 'Telefonaram do hospital dizendo que Jorge começou a se mexer'. E logo meu genro telefona do hospital: 'Jorge abriu os olhos'".
Corção se levantou e me deu um beijo. Eu ainda disse: "Nossas divergências são de ideias, mas no Coração de Jesus estamos unidos, agora e para sempre". Ele começou a chorar, convulsamente, e me abraçou, pois eu já me levantara. 'Beijei-lhe a mão' e saí.
Eis aí.
Foi tudo como Nosso Senhor queria, e quando saí, a paz que eu levava no coração era tão grande como a que vi espraiar-se por todo o vale das Laranjeiras quando fui visitar, com Mamãe e vocês, crianças, a Casa Azul.
[...]
P.
Extraída do livro: "Cartas do pai. De Alceu Amoroso Lima para sua filha madre Maria Teresa, OSB". Instituto Moreira Salles.