Vejo algumas pessoas, mesmo sacerdotes, desmerecendo o jejum de alimentos na quaresma. Muitos sugerem no lugar o jejum da maledicência. Com a devida vênia, não posso concordar com isso.
Em primeiro lugar, é preciso compreender a razão do jejum, o motivo de a Igreja recomendá-lo.
E a razão é que a nossa natureza, depois do pecado original, dos pecados dos nossos antepassados e dos nossos próprios pecados pessoais, ficou ferida, desordenada, tendendo para o mal, isto é, para os bens fora de sua ordem, fora da ordem estabelecida por Deus, como ensina Santo Agostinho. A rigor, o mal é querer um bem fora de sua ordem, porque o mal não existe como ente. Todas as criaturas são boas em essência, pois foram criadas por Deus. O mal consiste em preferir os bens inferiores aos superiores.
Herdamos uma natureza ferida e corrompida, e a ferimos e corrompemos mais. É o que São Paulo deixa bem claro na sua epístola aos Romanos: "Sabemos que a Lei é espiritual; mas eu sou carnal, vendido como escravo ao pecado. Realmente não consigo entender o que faço; pois não pratico o que quero, mas faço o que detesto. [...] Pois o querer o bem está ao meu alcance, não porém o praticá-lo. Com efeito, não faço o bem que quero, mas pratico o mal que não quero. Ora, se faço o que não quero, já não sou eu que ajo, e sim o pecado que habita em mim." (Rom 7, 14-20).
Herdamos uma natureza ferida e corrompida, e a ferimos e corrompemos mais. É o que São Paulo deixa bem claro na sua epístola aos Romanos: "Sabemos que a Lei é espiritual; mas eu sou carnal, vendido como escravo ao pecado. Realmente não consigo entender o que faço; pois não pratico o que quero, mas faço o que detesto. [...] Pois o querer o bem está ao meu alcance, não porém o praticá-lo. Com efeito, não faço o bem que quero, mas pratico o mal que não quero. Ora, se faço o que não quero, já não sou eu que ajo, e sim o pecado que habita em mim." (Rom 7, 14-20).
O jejum, pois, deve ser a privação voluntária de um bem lícito, com a finalidade de fortalecer a vontade, que é uma das três potências da alma (as outras são a inteligência e a memória), e orientá-la para bens maiores, sobrenaturais.
A finalidade do jejum é submeter o corpo ao espírito, e o espírito, a Deus, restabelecendo a ordem rompida pelo pecado.
Por isso, não se trata da privação de algo ilícito: abster-se do pecado é obrigação, não é prática ascética, não é um “plus”.
Quando o evangelho nos conta que Jesus jejuou quarenta dias e quarenta noites, terá sido mero jejum de maledicência? Ele que nunca pecou? Ele que estava sozinho no deserto? Maldizer quem para quem?
Mais: quando Jesus é questionado sobre a razão de os seus discípulos não jejuarem, enquanto os de João Batista e os fariseus jejuavam, tal jejum restringia-se a refrear a língua? Não me parece.
Mais ainda: quando Cristo diz que certos demônios só são expulsos pelo jejum e pela oração, tal jejum será apenas o jejum de maledicência? Será ele suficiente para expulsar os espíritos imundos? Não creio. Perguntem aos exorcistas se funciona. O jejum da quaresma existe para expulsar os nossos demônios que não conseguimos expulsar sozinhos.
Não deve ser novidade para ninguém que a teologia da libertação nega a importância de todos os meios ascéticos, reduzindo a ascese à mera luta de classes, à mera defesa dos supostos interesses temporais dos pobres. Para tal teologia, que esvazia todo o sentido espiritual do cristianismo, realmente não faz sentido o jejum como obra espiritual. Mas sabemos que tal corrente teológica é errada, e que na verdade nem sequer é teológica. É materialismo, é marxismo, disfarçado de religião.
Não há dúvida de que um dos males do nosso tempo é justamente a falta de ascese, a falta de mortificação. É conhecida a máxima: "a temperança gera a riqueza, mas a riqueza gera a intemperança". As prestidigitações da ciência, como diria Corção, evitam-nos os mínimos esforços, como levantarmo-nos da cadeira para mudar o canal da televisão. Isso pode ser confortável para o corpo, mas é um perigo para a alma, que deve estar cada vez mais e mais vigilante, recusando-se o excesso de conforto, pois o nosso corpo, como dizem os santos, é um inimigo que deve ser tratado com caridade, mas é um inimigo traiçoeiro. A natureza humana segue sendo a mesma. Os santos do passado praticaram a vida ascética. E os santos do presente também têm de vivê-la. Não há santidade sem penitência, sem mortificação, sem vida ascética. Não podemos soltar as rédeas do nosso corpo, deixando-o como um animal desgovernado.
Como acertadamente vi uma pessoa dizer outro dia: a finalidade do jejum é fortalecer a vontade para evitar o pecado; é justamente tornar mais fácil evitar a maledicência e outros pecados e vícios. O jejum vem fortalecer o nosso homem interior para vencer o nosso homem exterior.