Espero ainda viver muitos anos, embora
só Deus saiba que dia serei chamado a comparecer perante o seu tribunal, que é,
a um só tempo, tribunal de justiça e tribunal de misericórdia. Creio até que se
trate mais de tribunal de misericórdia, mas não daquela bagunça que alguns
imaginam, que elimine o inferno e empurre para o paraíso os que se obstinam no
pecado contra o Espírito Santo, em suas duas formas clássicas: o desespero e a
presunção. Como não sei quanto tempo me resta, gostaria de chamar a atenção do
leitor para um tema de especial relevância: o pecado mortal.
Faço-o em razão da gravidade do tema e
da sensação de que me incumbe pessoalmente suprir uma lacuna que percebo nos
meios em que gravito ou circulo. Se eu não falar, quem falará? Se eu não o
avisar, quem o avisará? Tenho especial aversão aos pecados por omissão. Eu não
gostaria que alguma alma se condenasse por uma omissão minha. Dar-me-ei por
inteiramente satisfeito se pelo menos uma pessoa for auxiliada a escapar da
condenação eterna ao ler este texto.
Por vezes, tenho a sensação de que o ser
humano tem a estranha capacidade de ocupar-se de bagatelas, de olvidar o
essencial. Vejo tantas pessoas se deleitando com o mundo, se lambuzando com o
século como se ele fosse definitivo, passeando pelos shoppings como se eles
fossem o sétimo céu, que isso só faz agravar a minha preocupação com a salvação
das almas, especialmente da minha, igualmente mergulhada neste oceano de
frivolidades. Parecemos milhões e milhões de sonâmbulos que se movem num mundo
de sonhos, sem distinguir o mundo real.
Há uma frase, creio que de Dom Bosco, de
quem eu possuo um quadro pendurado na parede do meu quarto, que diz: “Quem se salva, salva tudo; quem se perde,
perde tudo”.
Pois bem, leitor. Se quem se salva,
salva tudo, e quem se perde, perde tudo, que é necessário para salvar-se? Que
pode levar-nos à perdição eterna?
Para salvar-se é preciso estar na graça
de Deus, na graça santificante, na amizade com Deus. Trazer a veste batismal, a
veste da graça. A nudez de Adão e Eva após o pecado original é a mais radical
que pode existir: a nudez de uma alma sem o Espírito Santo, sem a vida divina
habitando nela. Essa nudez é a maior de todas as desgraças, diria até que é a
única desgraça, pois quem se salva, salva tudo.
Diante isso, é preciso ter bem claro que
o homem só possui um verdadeiro inimigo sobre a terra: o pecado mortal. O
pecado venial adoece, arranha, prejudica a vida divina em nossa alma, diminui a
graça em nossa alma, mas não a elimina, não a mata. O pecado venial não condena
ao inferno, o mortal, sim. As tentações do demônio podem até fazer-nos progredir
na vida espiritual, se a elas resistimos, mas o pecado mortal nos arruína
totalmente.
Que é o pecado mortal? É uma
transgressão grave da lei divina, consciente e livre. Ele exige três
requisitos: 1.º) que se trate de matéria grave; 2.º) pleno conhecimento; e,
3.º) pleno consentimento. Sem um dos requisitos, de mortal o pecado passa a
venial.
Para verificar-se se algo é matéria
grave é preciso consultar o Catecismo da Igreja Católica. Costuma-se dizer que
matéria grave consiste em transgressão a algum dos dez mandamentos. Isso não
deixa de ser verdade, mas nem sempre é suficientemente claro para esclarecer a
consciência do fiel. A doutrina da Igreja explicita para nós o que é matéria
grave. Daí a necessidade de consultar-se o catecismo ou outros documentos do
Magistério ou então um confessor bem formado.
Obviamente, o fiel não poderá alegar
ignorância diante de Cristo, se possuía os meios de conhecer a gravidade de um
pecado e deixou de fazê-lo propositadamente.
Quem se encontra em pecado mortal, se
morrer sem se arrepender, será condenado ao inferno. Até o último instante a
pessoa poderá arrepender-se, mas deve tratar-se de arrependimento autêntico,
arrependimento válido, de contrição perfeita. Se nos acostumarmos a viver nesse
estado de pecado e formos surpreendidos pela morte, quem nos garantirá que
teremos uma contrição perfeita na hora da morte? Não basta a atrição, ou
contrição imperfeita, que surge pelo medo da pena, pois ela não perdoa pecados.
Muitos santos testemunham que nesse crucial instante da morte é que nós seremos
mais tentados pelo demônio, pois trata-se da hora decisiva, em que ele ganha ou
perde mais uma alma, invejoso que é e desejoso da perdição do homem.
Será por alguma razão ociosa que em
todas as Ave-Marias invocamos a proteção de Nossa Senhora para o momento de
nossa passagem ao outro mundo?
Se, pois, acontecer-nos de morrer sem
confissão, temos o último recurso do ato de contrição perfeita, do
arrependimento perfeito, que é o que se faz sem qualquer interesse, sem desejo
do céu, sem temor do inferno, mas exclusivamente por amor a Deus, sentindo
pesar de ter ofendido quem é tão bom.
Convém, porém, que não nos fiemos nisso
e preparemo-nos desde já para uma boa morte, servindo-nos de todos os meios que
a Igreja põe à nossa disposição: confissão mensal, comunhão frequente, vida de
oração e mortificação. Sem a frequência aos sacramentos, sem a força de Deus
que vem da oração, sem a mortificação que fortalece a nossa vontade para o
combate das tentações, como venceremos? Lembremo-nos de que o demônio não dorme
e que é uma criatura angélica, mais forte do que nós. Para vencê-lo, precisamos
que Deus nos empreste a sua força, que nos vem por esses canais, por esses
meios.
Já há algum tempo eu queria escrever este
texto para alertar aqueles que vivem em perigo objetivo de condenação. Para
aqueles que vivem permanentemente em pecado mortal, em situação de pecado
grave, adiando a regularização da sua vida espiritual. Só Deus sabe se, afinal,
você se condenará, mas vale a pena correr o risco de perder tudo? De que terá
adiantado o prazer sexual ilícito de quinze minutos diante do tormento eterno? De
que terá valido um gozo momentâneo, seja lá de que natureza for, um prato de
lentilhas, diante da eternidade? Um átimo em relação ao tudo?
Quero dirigir um alerta especial, pois,
aos que vivem em situação irregular perante a Igreja, com vida sexual fora do
matrimônio (sejam solteiros, casados ou separados), aos casais regularmente
unidos pelo sacramento do matrimônio mas que fazem uso de métodos
anticoncepcionais artificiais ou recorrem a métodos de fecundação artificial
(bebês de proveta), aos que perdem missa aos domingos e em dias santificados.
Tudo isso é matéria grave. Ao conhecermos o que a Igreja diz a respeito desses
assuntos, transgredindo seus ensinamentos, nós nos encontramos em perigo
objetivo de condenação. Por que eu digo objetivo? Porque a nossa responsabilidade,
a nossa culpa subjetiva, eventuais atenuantes, somente Deus conhece. Mas,
repito, em assunto tão grave, tão fatal, tão decisivo, vale a pena expor-nos ao
risco?
Eu nem quero falar dos que, em estado de
pecado mortal, recebem a comunhão. Por exemplo: dos casais descasados em
segunda união, dos que utilizam métodos anticoncepcionais artificiais, dos que
têm vida sexual antes ou fora do casamento e comungam. Aí há um acréscimo de
malícia, há um sacrilégio, comunhões sacrílegas. Deus nos livre disso! São
Paulo diz que quem recebe o Corpo e o Sangue do Senhor sem estar preparado,
come e bebe a própria condenação. Não façamos isso!
São Francisco de Sales traz-nos um
ensinamento que pode estimular-nos a não desanimar a recorrer sempre à
confissão para voltar à graça de Deus após uma queda. Diz ele, no “Tratado do
amor de Deus”, que todas as nossas boas ações perdem seu mérito sobrenatural,
perdem seu valor, quando cometemos um só pecado mortal. Tais boas ações podem
até ter algum valor humano, de civilidade, conter alguma vantagem temporal.
Mas, vindo à alma um pecado mortal, elas perderam todo o seu valor para nos
ajudar a conquistar o paraíso e para o aumento da nossa glória no céu.
O pecado mortal é como o ocorrido com
aquele homem que descia de Jerusalém a Jericó. O verbo “descer” dá bem a ideia
de queda, de declínio espiritual. De pecado venial em venial, o viajante chegou
ao mortal. O homem foi assaltado e deixado como morto na beira da estrada.
Assim faz o demônio, espanca-nos, mata-nos e saqueia todos os bens espirituais
que trazíamos em nossas almas.
Mas aí está a beleza do que São
Francisco de Sales diz em seguida: retornando a alma à graça de Deus, Deus
restitui o valor sobrenatural a todas as boas obras passadas do penitente.
Aquelas boas obras tornadas mortas porque o ramo se separou da videira, tornam
a ser vivificadas quando o ramo volta a unir-se à videira verdadeira e a seiva
volta a circular por ele.
Os cuidados dispensados ao ferido pelo
bom samaritano podem bem representar a Igreja com os cuidados dos sacramentos,
que curam, vivificam, restabelecem a saúde dos pecadores. O pai restitui
integralmente a dignidade do filho pródigo, do filho que estava morto:
devolve-lhe o anel, o calçado, dá-lhe roupas novas, a alegria da festa, boa
comida e boa bebida. Devolve-lhe seu antigo tesouro. Todas as boas obras
antigas do filho pródigo renascem.
Pois bem, caro leitor. Dirijo-me a você
não como um cumpridor da Lei de Deus, mas como quem, cambaleando ali e
tropeçando aqui, caindo acolá, quer contar com o auxílio das suas orações, a
fim de que nós nos ajudemos reciprocamente a vencer essa árdua batalha
espiritual contra o pecado.
Paul Medeiros Krause
Deus te abençoe!
ResponderExcluirObrigado, Luciana! A você também!
ExcluirAmém! Você sumiu!
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