O evangelho de ontem, memória de Santo
Tomás de Aquino, foi o do semeador que saiu a semear. São Marcos acrescenta
que, após ter terminado de contar a parábola, arrematando com “quem tem
ouvidos para ouvir, ouça”, quando Jesus ficou sozinho, os que estavam com Ele,
junto com os Doze, perguntaram sobre as parábolas, pois Ele também havia contado outras. Ao que o Senhor respondeu: “A
vós, foi dado o mistério do Reino de Deus; para os que estão fora, tudo
acontece em parábolas, para que olhem mas não enxerguem, escutem mas não
compreendam, para que não se convertam e não sejam perdoados”.
Certamente, não se trata aqui de má vontade
de Deus para com os pecadores. Não é que Ele eleja uns predestinados para
salvar, e outros para condenar. Se assim fosse, não haveria sentido na
advertência: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”. O evangelho trata da
resistência do coração humano à voz de Deus, que, por sua vez, não atira
pérolas aos porcos, exigindo certa docilidade, boa vontade, receptividade dos seus ouvintes. Cuida-se aqui do espantoso fenômeno da resistência do homem aos apelos da graça, do fechamento do coração, da surdez da alma.
Quanto mais o homem está aberto à voz de Deus, mais Deus se lhe revela. Ao
dizer “quem tem ouvidos, ouça”, Cristo se refere a uma espécie de sentido ou capacidade
interior do homem para compreender a Sua palavra. Ele convida, pois, o homem a
aguçar o seu ouvido interior, o ouvido da alma, para poder ouvir a Sua voz.
Há outros pontos importantes no
evangelho de ontem. Está dito que alguns ficaram com Jesus e os Doze, depois de
a multidão ter ido embora. Penso que não seria absurdo imaginar que esses que
ficaram com Cristo e com os Doze, em maior intimidade, podem representar
aqueles que pertencem efetivamente à Igreja, aqueles que estão em comunhão com
Cristo e com a Igreja. Certamente, na plateia mais ampla, no meio da multidão,
poderia haver muitos curiosos ou interesseiros, atraídos pelo desejo de ver ou
receber um milagre, ou mesmo inimigos, atentos a eventual 'deslize' do Salvador. Não há dúvida de que na grande plateia havia ouvintes mal
dispostos, resistentes à graça de Deus.
Tendo presente que a oração nada mais é do
que um diálogo com Deus, uma conversa amorosa e sincera com o Criador, pode-se
entender também que os que ficaram com Cristo e com os Doze são as pessoas de vida de
oração, as pessoas que rezam. Ora, que é a pergunta que dirigiram a Cristo
senão uma oração? Que é a oração senão uma conversa com Cristo? Quantas vezes nas nossas orações diárias também não
interpelamos a Deus, dizendo: “explica-nos esses acontecimentos, não estou
conseguindo entendê-los”, "qual a razão desse sofrimento, dessa tragédia ou dessa pequena contrariedade?"? Quantas vezes não colocamos aos pés do Senhor, diante
dos anjos e dos santos, diante dos Doze!, as nossas perplexidades, as nossas dúvidas, a nossa
dificuldade de entender a Sua vontade?
Partindo dessas considerações podemos
concluir: quem não desenvolve o seu ouvido interior, quem não procura estar em
comunhão com Cristo e com a Igreja, quem não tem intimidade com Ele pela
oração, quem não O interpela em diálogos amorosos e sinceros, dificilmente ouvirá a voz de
Deus. Ou melhor, ouvirá, mas não entenderá.
É bem por isso ser tão comum ouvirmos
dizer: “Deus não fala comigo. Ele parece estar mudo ou longe.” Não! Deus não
está mudo. Nem está longe. Ele fala a todo tempo. Mas também hoje, e não somente a dois mil
anos atrás, Ele caminha em nosso meio, realiza curas, ressuscita mortos, expulsa demônios e fala por meio de parábolas, isto é, de uma forma que não é evidente de per si. Somente os
que procuram cultivar a intimidade com Ele serão convidados a atravessar o aparente
muro da falta de sentido das Suas palavras. Nem todos são capazes de compreender os acontecimentos da vida, o modo de Deus falar ao homem. Ainda hoje Cristo repete: “Quem tem
ouvidos para ouvir, ouça”.
Paul Medeiros Krause