Confundido com o burro, o jegue e o jumento, o asno é tido como um animal dado a asneiras. Sei, porém, de um asno que, rebelando-se contra seu passado de jumentices, adquiriu saber e ciência, bem como o respeito de toda a bicharada.
Erasmo era o nome do asno.
Eis a iluminação, o pensamento libertador do pobre quadrúpede: "Renego a tradição de meus ancestrais! Não vou carregar esse fardo de burrices! Aliás, sou asno, e não burro. Burro é o burro!"
Até então, ao longo dos séculos, aberta a sucessão testamentária de um asno, percebia-se que o monte compunha-se apenas de ignorância e curteza de espírito.
Erasmo pastou muito até chegar à universidade. Mas, é preciso dizer que, não obstante sua condição animalesca, era um aluno privilegiado. Em primeiro lugar, porque ele era sua própria condução: ia trotando feliz para o campus. Nunca tivera de enfrentar o Circular 05. Em segundo lugar, porque havia bastante capim no campus e, assim, economizava também o dinheiro do bandejão. O nosso asno era, pois, econômico e chamava a atenção de todos os seus colegas universitários, que acabaram acostumando-se com o seu cheiro.
Aliás, seus colegas prognosticavam: "Esse burro vai longe!" "Esse jumento ainda vai ser juiz!"
Nem gostaria de comentar as agruras por que passou esse primo de jegue por ocasião de sua colação de grau! Todo o reino animal alvoroçara-se, pretendendo ser convidado para a solenidade. Baldada a agitação... A onipotente Comissão de Formatura estabelecera que apenas os pais e irmãos de Erasmo poderiam comparecer à solenidade.
Colado o grau, Erasmo foi coroado o rei da floresta. Sua erudição tornou-se proverbial, ficando internacionalmente conhecida. Era o Salomão da caatinga, do cerrado e da estepe! Todos os animais comentam o progresso da selva sob o governo do douto imperador. O leão foi enxotado com o rabo entre as patas, como um intransigente ignorante.
***
Mulata era uma mula. Uma mula espetacular, diria até, estupefaciente. Foi o único outro caso de animal estudando na universidade. Como Erasmo, ao contrário de todos os outros animais, por algum estranho prodígio, também foi dotada de alma racional. Apaixonou-se por Erasmo durante os estudos, foram colegas. Derrubava livros no chão de propósito de forma dissimulada para que o nosso distraído herói, de passagem, gentilmente os pegasse.
Mas, meus amigos, nem tudo é alegre nessa vida e, particularmente, nessa história. Embora fosse a mula mais bonita do sistema planetário, mais bonita que a lua e as estrelas, superando até suas colegas que andavam sobre duas patas, digo, pernas, Mulata não era correspondida. Desolada, começou a embriagar-se devido ao insucesso do seu amor platônico. Toda a floresta começou a dizer a seu respeito: "Está um caco! Foi-lhe embora o juízo, perdeu a cabeça...".
E essa, meus amigos, acreditem ou não - já adivinho o espanto do leitor! -, é a verdadeira história, a incontestável origem, da mula sem cabeça.
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