Hermengarda era uma mulher muito inteligente.
Ela sempre pensava muito pra falar, e mais ainda pra responder. Escrava da
opinião alheia, afeita às gargalhadas, era sempre atenta ao que lhe cairia
melhor. Servia-se a torto e a direito do indefectível “Hã?”, não por não
entender o que o interlocutor lhe perguntava, mas para escolher, como se
escolhe um vestido, a resposta que lhe conviria melhor.
A esse tipo de escolhas supérfluas tinha-se
acostumado nossa heroína. Suas vestimentas estavam sempre destinadas a causar
sensação, chamar a atenção para o belo desenho das suas formas, bastante
curvilíneas, ainda que fosse uma coroa de quarenta anos, com trejeitos de
adolescente mais que segura. Tão cheia de si e tão ciosa dos seus contornos,
Hermengarda revelava sua falta de conteúdo. Não havia lugar nem espaço para os
outros e para indagações de maior vulto no morno recôncavo da sua mente. Orgulhava-se
de saber contar piadas, dramatizava, mas não sabia sorrir. Aliás, seus sorrisos eram
de arame, de gesso, de concreto armado, de alguma coisa tensa que enrijecia os
músculos da face.
Queria invariavelmente ser o centro das
atenções, das conversas, ainda que pelas motivações mais pueris, como a sua
seminudez física, sintoma, aliás, da sua seminudez espiritual. Ao exibir o
corpo, Hermengarda escondia o vazio, a completa nudez da sua alma. Embora
soubesse argumentar, divertia-se em mentir. Fingir era sua especialidade. Fazer
tipo era o seu principal passatempo. Vestia-se com as ideias e os assuntos da
moda.
Hermengarda era simpática – na verdade, bem
menos do que imaginava –, mas daquela simpatia artificial e demagógica que
ofende as pessoas de bem. Falava pelos cotovelos e parecia mesmo ter sido criada
ao léu da sorte, como um cavalo sem rédeas e sem disciplina. Gênio indomável,
era capaz de usar os outros e a sua bela aparência para atingir seus objetivos,
por mais insignificantes que fossem. A dissimulação era a sua grande arma, o
seu grande trunfo, de que poucos se apercebiam. Tão acostumada a mentir aos
outros, passou a mentir a si própria...
Hermengarda era infeliz. Tão infeliz, mas tão
infeliz, que sequer se dava conta da sua infelicidade. A pirotecnia das
frivolidades, o festival das aparências, as exterioridades, as extravagâncias
de que este mundo está cheio, as luzes de Natal, embriagavam-na, entorpeciam-na,
cegavam-na, e, cega, bêbada, cambaleante, trôpega, tudo lhe parecia bem. Suas risadas
eram gargalhadas de bêbado. Seus comentários sobre os outros não atravessavam a
epiderme, a superfície, a zona cutânea. Tinha aversão, ainda que inconsciente,
a toda espécie de honestidade e autenticidade. A sinceridade parecia-lhe um
muro, um murro, um golpe. A verdade soava-lhe dura, áspera, implacável. Seu
mundo era o de holofotes imaginários que a acompanhavam por toda parte. Ela não
andava; desfilava.
Mas um dia a coisa começou a mudar...
(continuarei em breve)
Mas um dia a coisa começou a mudar...
(continuarei em breve)
Nenhum comentário:
Postar um comentário