Muita marcha e pouca oração
Em 13 de março de 1964, o presidente João Goulart (Jango) discursou em um comício feito na Central do Brasil, Rio de Janeiro, pleiteando uma reforma estrutural profunda (“reforma de base”) que só poderia ser obtida mediante uma nova Constituição. “Nem os rosários podem ser erguidos como armas”, disse ele contra os que se opunham à reforma[1]. Horas antes do discurso, o presidente assinara dois decretos: um permitia a desapropriação de terras numa faixa de dez quilômetros às margens de rodovias, ferrovias e barragens; outro transferia para o governo o controle de cinco refinarias de combustíveis que operavam no país[2].
No dia 19 de março de 1964, dia de São José, patrono da família, houve em São Paulo a grandiosa “Marcha da Família com Deus pela liberdade”, em reação ao discurso de Jango. A marcha foi concebida pela freira paulista Ana de Lourdes, neta do jurista Rui Barbosa. Seria uma “Marcha de Desagravo ao Santo Rosário pela ofensa que tinham constituído as palavras de Goulart na Guanabara”. O nome “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” acabou sendo sugerido pela deputada Conceição da Costa Neves[3]. A multidão, estimada entre 500 e 800 mil pessoas, certamente portava faixas e cartazes, gritava palavras de ordem, mas não faltou a oração. Era época em que o padre irlandês Patrick Peyton fundara o movimento Cruzada do Rosário em Família, com o lema “a família que reza unida permanece unida”. O povo partiu da Praça da República e dirigiu-se à Praça da Sé, onde Padre Peyton celebrou a Santa Missa pela Salvação da Democracia. Convém ressaltar a importância das mulheres na marcha. Grupos como a CAMDE (Campanha da Mulher pela Democracia) e a União Cívica Feminina (UCF) estiveram presentes na organização da grande passeata. Pedia-se a Deus a salvação do Brasil ameaçado pelo comunismo, a preservação da família e da liberdade.
No dia seguinte, 20 de março, o general Castelo Branco, chefe do Estado Maior do Exército, exprimiu sua preocupação com o discurso de Jango em uma carta circular:
São evidentes duas ameaças: o advento de uma Constituinte como caminho para a consecução das reformas de base e o desencadeamento em maior escala de agitações generalizadas do ilegal poder do CGT[4]. As Forças Armadas são invocadas em apoio a tais propósitos.
[...]
A ambicionada Constituinte é um objetivo revolucionário pela violência com o fechamento do atual Congresso e a instituição de uma ditadura.
[...]
O CGT anuncia que vai promover a paralisação do país, no quadro do esquema revolucionário. Estará configurada provavelmente uma calamidade pública. E há quem deseje que as Forças Armadas fiquem omissas ou caudatárias do comando da subversão.
Várias Marchas da Família com Deus pela Liberdade foram realizadas em outras cidades até o final de março de 1964.
Em 31 de março, o general Olympio Mourão Filho resolveu partir com suas tropas, do Estado de Minas Gerais, para o Rio de Janeiro, e de lá para Brasília, sem encontrar qualquer resistência. João Goulart fugiu para Porto Alegre e, de lá, exilou-se no Uruguai. A Revolução foi efusivamente comemorada pelo povo, com novas Marchas da Família com Deus pela Liberdade, desta vez chamadas “Marchas da Vitória”.
No dia 2 de abril de 1964, no Rio de Janeiro uma gigantesca Marcha de cerca de um milhão de pessoas partiu da Praça da Candelária e foi até a Esplanada do Castelo[5].
Graças a Deus, o Brasil estava salvo, ao menos temporariamente, do comunismo e da escravidão que ele haveria de impor ao povo brasileiro, segundo os modelos da Rússia Soviética e de Cuba.
* * *
Mais de cinquenta anos depois, o povo brasileiro vai às ruas para protestar contra o jugo do PT e pedir a renúncia ou oimpeachment da presidente Dilma Rousseff. As marchas começam em 2015, mas a maior delas ocorre em 2016, em 13 de março. Nesse dia, mais de 300 municípios, de todos os Estados do país, manifestam-se contra o governo petista. Um total de 3,6 milhões segundo a Polícia Militar[6].
Essa imensa multidão, porém, anda errante “como ovelhas sem pastor” (Mt 9,36). Grita contra a corrupção, os desvios de verba, o aumento de impostos, o enriquecimento ilícito dos governantes, a inflação alta, o aumento do desemprego, a recessão da economia... mas não se veem mais terços nas mãos, nem um líder religioso como Padre Peyton que conclame o povo à oração.
Ao contrário das marchas de 1964, em que o povo sabia que o inimigo central era o comunismo, hoje pouco ou nada se fala sobre a agenda vermelha: a instauração da ditadura do proletariado, o confisco dos meios de produção, a imposição da ideologia de gênero, a destruição da família, a legalização do aborto, nenhum desses perigos é conhecido nem mencionado pelos manifestantes.
É verdade que a União Soviética ruiu em 1989 e, com sua ruína, findou a ajuda financeira que prestava a Cuba e aos partidos comunistas dos diversos países da América Latina. Mas também é verdade que em 1990 um grupo de partidos socialistas, entre os quais o PT e as FARC, criaram o “Foro de São Paulo”, com o objetivo de sustentar a ditadura de Fidel Castro. Hoje, o Foro de São Paulo substitui com eficiência a antiga União Soviética em seu papel de difundir e coordenar o comunismo internacional. Se os brasileiros não forem advertidos, poderão, após a derrubada da atual presidente, escolher para governar o país algum candidato membro de partidos que compõem o Foro de São Paulo. São estes, além do PT (Partido dos Trabalhadores, n. 13): o PDT (Partido Democrático Trabalhista – n. 12), o PCdoB (Partido Comunista do Brasil, n. 65), o PCB (Partido Comunista Brasileiro, n. 21), o PPL (Partido Pátria Livre, n. 54), o PPS (Partido Popular Socialista, n. 23) e o PSB (Partido Socialista Brasileiro, n. 40)[7].
Ouvi o clamor do meu povo (cf. Ex 3,7)
Uma massa informe é diferente de um povo organizado. Uma multidão revoltada é diferente de um “exército em ordem de batalha” (Ct 6,10). Uma marcha de pessoas que apenas sabem gritar “Fora, Dilma!” é diferente de um grupo de discípulos unidos a Maria rogando perseverantes pela vinda do Espírito Santo (cf. At 1,14).
Para que Deus possa dizer de nós o que disse a Moisés – “o clamor dos filhos de Israel chegou até mim” (Ex 3,9) – , é preciso que também nós clamemos a Ele. Clamemos junto com seu Filho, cujo sangue é mais eloquente que o de Abel, “porque o sangue de Abel pedia a morte do irmão fratricida, ao passo que o sangue do Senhor obteve a vida para seus perseguidores”[8]. Clamemos junto com Maria Santíssima, de quem Jesus disse olhando para nós: “Eis a tua mãe” (Jo 19,27). Elevemos ao céu muitas vezes as palavras com que o anjo Gabriel a saudou – “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo” (Lc 1,28) – e as palavras com que Isabel, cheia do Espírito Santo, recebeu Maria em sua casa: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre” (Lc 1,42).
Na próxima vez em que partirmos em marcha para gritar contra a iniquidade do atual governo, não nos esqueçamos de portar o rosário em nossas mãos. Recitemos então, além do terço, esta pequenina oração:
olhai pelo nosso pobre Brasil,
rogai por ele, salvai-o.
Quanto mais culpado é,
tanto mais necessidade tem ele
da vossa intercessão.
Ó Jesus, que nada negais a vossa Mãe Santíssima,
salvai o nosso pobre Brasil.
Anápolis, 12 de abril de 2016.
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
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