O contrabaixista faz um solo, com dois percussionistas. No que pensam os outros músicos da orquestra, ali sentados em semicírculo? No marido, na esposa, no aniversário do filho? A flautista de cabelos dourados, com ondas que parecem madeira saída da plaina, tem o olhar perdido. No que pensa a flautista? Parece distante. Parece em Coimbra. Parece semifeliz.
Vou dedicar-me a esse exercício. Descobrir no que pensa a flautista. Ela tem duas metades: metade alegre, metade triste. Seu sorriso é verdadeiro, mas até certo ponto. Às vezes, parece um choro reprimido. Pensa ela no excesso de solenidade, que a obriga a assistir algo que já viu mil vezes? Pensa no namorado, que não pôde vir e prefere birita? Observo que os sapatos pretos do maestro, de alguns violoncelistas e de alguns violinistas brilham demais. Não sei se ela terá reparado.
Terá ela desafinado? Direi a ela que desafina, provocando-lhe imensa dor? Será que sua roupa está apertada, é incômoda, dói? Não sei. Só sei que a flautista tem duas metades: uma alegre, uma triste.
Terá ela desafinado? Direi a ela que desafina, provocando-lhe imensa dor? Será que sua roupa está apertada, é incômoda, dói? Não sei. Só sei que a flautista tem duas metades: uma alegre, uma triste.
Não sei como aquela mulher consegue esta augusta proeza: é feliz de verdade; é, de verdade, triste. Suas duas metades não se misturam, são estanques, como óleo e água. Mas são ambas verdadeiras. Seu sorriso me dá vontade de sorrir. Seu choro disfarçado de sorriso, sua angústia contida, parece um grito, um gemido, um pedido de socorro, que eu creio ter ouvido.
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