Há duas
maneiras de viver: buscando o prazer ou buscando a felicidade. Não que o prazer
seja um mal, como se fosse a própria antítese da felicidade. Não quer dizer que
onde o prazer entra pela porta a felicidade sai pela janela, como se eles não
pudessem conviver sob o mesmo teto. Prazer e felicidade não são
autoexcludentes. O prazer é bom, ele possui um sentido, tem uma razão de ser, uma
finalidade. Só não deve ser supervalorizado. Ele é acessório, e quem se prende
demais ao acessório acaba perdendo o principal. Reformulemos, então, nossa
primeira afirmação: há duas maneiras de viver – buscando o prazer, que traz a infelicidade,
ou buscando a felicidade, que traz o prazer.
Quem quer que seja
honesto consigo mesmo poderá perceber que na nossa alimentação, por exemplo, o
prazer facilita, torna agradável e mais estimulante, a busca dos nutrientes
necessários ao nosso corpo. Cada um poderá chegar com tranquilidade à conclusão
de que o objetivo da alimentação não é fartar de prazer o paladar. A
alimentação saudável ordena, poda, mantém dentro dos seus justos limites, o
prazer que a comida e a bebida proporcionam.
Essa diretriz pode
ajudar-nos nos nossos relacionamentos afetivos. O namoro e o casamento não se
destinam a fartar de prazer os nossos órgãos sexuais, mas a alimentar de amor o
nosso espírito. Ou o amor não é uma necessidade? Não será ele a nossa maior
necessidade imaterial? Haverá felicidade possível sem amor? Talvez haja
felicidade sem comida ou sem bebida, alimentos do corpo, mas desconfio seja
impossível felicidade sem o alimento do espírito. Se repararmos bem, a busca
pelo prazer contém algo de monótono, enfadonho, entediante, enjoativo.
É preciso, pois, ser
honesto consigo mesmo e com os outros. Será que em todas as carícias que faço
em minha namorada eu a estou buscando? Não estarei buscando a mim mesmo? Será
que em certos toques, em certos beijos e abraços, eu estou buscando não a minha
namorada, mas o prazer que ela me proporciona? Em outras palavras, ao invés de
sair de mim mesmo, de transcender-me para levar um bem a ela, para
acrescentar-lhe algo, para acariciá-la de uma forma suave e modesta, eu não estou
simplesmente me servindo dela, subtraindo-lhe algo, para estimular meu órgão
sexual? Não estarei eu instrumentalizando-a, diminuindo-a, utilizando-a como um
simples meio de atingir uma mera sensação física, meu real objetivo?
Já tive várias vezes essa
sensação de limite, a percepção desse critério. “Até aqui, eu a estou buscando.
Daqui em diante, é a mim mesmo que estou buscando, egoisticamente”. E, instantaneamente,
após a enfadonha e egoística busca de mim mesmo, o que eu encontro? A tristeza.
Por um estranho
desígnio, quanto mais egoístas somos, quanto mais prazer buscamos, mais amargor
sentimos. Dizem que o amor dói. Que só há amor quando dói. Creio ser verdade,
pois ele contém a capacidade de sacrificar-se pelo outro. O amor é um sair de
si mesmo para acrescentar algo ao outro. O egoísmo só vai ao outro para roubar
algo para si mesmo. O prazer, a mera sensação não podem ser buscados como fins.
Eles frustram. Decepcionam. São carentes. Ficam na superfície, sobre a pele.
Não penetram no interior do homem.
O amor é um generoso
doador, distribuidor de dons e de bens. O egoísmo é um ladrão. Rouba o que não
é dele. Olha o que não pode. Toca o que não convém. Usurpa o que não lhe
pertence.
Viktor Frankl, o
fundador da logoterapia, fala muito da necessidade da autotranscendência. Diz
ele que o sentido de nossas vidas está fora de nós e é maior do que nós. O amor
é essa autotranscendência saudável que dá sentido a todas as coisas, que sai de
si e se doa. O egoísmo, fonte de tantas neuroses, é solitário; é uma
introspecção tristonha e acabrunhante, que refere todas as coisas a si e não
sai do seu quarto.
Convém, pois, que
tenhamos a coragem de ser felizes, pondo cada coisa no seu lugar e chamando
cada uma pelo seu próprio nome.
Paul Medeiros Krause
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