segunda-feira, 30 de junho de 2014

NOSSA SENHORA DO CARMO



            Certamente o leitor já ouviu falar das sete maravilhas do mundo, que alguém classificou como pertencentes ao “mundo antigo”. Nomearam também depois as sete maravilhas do mundo moderno. Queria eu revelar-lhe que possuo de meu lado as minhas próprias sete maravilhas. Creio que ao leitor seja igualmente permitido ter as suas. Gostaria, pois, de falar de uma dessas belezas extraordinárias, descomunais, que pelo menos a mim causa especial deslumbramento.


            Em primeiro lugar, trago reminiscências da juventude e algumas ligações afetivas: minha missa de colação de grau em Direito coincidiu com o dia de Nossa Senhora do Carmo. Recordo-me também agora de que a nossa missa em ação de graças pela conclusão do segundo grau teve lugar na Igreja Nossa Senhora do Carmo, do Sion. Perto da minha casa há um mosteiro de monjas carmelitas, das quais eu sempre tive inveja – não sei se no bom ou no mau sentido –, em razão da sua heroica coragem de deixar o mundo e generosidade para com Deus. (Na verdade, parece-me que enclausurado, fora dos muros do Carmelo, encontra-se o mundo. Livres são as irmãs). Santa Teresa foi uma das leituras favoritas da minha adolescência e juventude. E ainda hoje o é.


            Quando menino eu não gostava de cidades históricas. Achava-as tristonhas. Os passeios em Ouro Preto sempre me pareciam enfadonhos. Chegado, porém, à idade adulta, elas passaram a atrair-me irresistivelmente. E, nessas idas e vindas, conheci Tiradentes, já com vinte e seis anos.


            Gostei tanto da cidade que passei a ir até lá várias vezes ao ano, dedicando-lhe pelo menos alguma parcela das minhas férias. Muitas vezes, a parcela única, total. E foi assim que descobri uma das maravilhas escondidas do mundo: a novena de Nossa Senhora do Carmo em São João del-Rei (que é bem próxima a Tiradentes). É tal o esplendor da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, são tão solenes os dias de preparação e os festejos da Rainha do Monte Carmelo, tão extraordinárias as execuções barrocas da bicentenária Orquestra Ribeiro Bastos, que eu me arrisco a afirmar isto: a festa de Nossa Senhora do Carmo em São João del-Rei, com sua novena preparatória, é uma das sete maravilhas escondidas do mundo. Não se trata de uma apoteose, de uma epifania, apenas para mim. Trata-se de um colosso maravilhosamente escondido, um tesouro encravado entre as serras de Minas.


            Que há nessa novena, que há nessa festa? Beleza, tradição e devoção. É possível sentir a fé de nossos avós em sua pureza genuína, simples e profunda, cercada, adornada de grande dignidade, de uma suntuosidade real. Ali se tem a impressão de que a Rainha dos Anjos recebe homenagens mais condignas. De que a misteriosa realeza de Deus deixa-se entrever, deixa escapar algumas faíscas. Há uma pompa real na igreja, na música, nas imagens, na procissão e na própria cidade que a procissão percorre.


            Após as missas às 18h30, há a magnífica novena, enriquecida pela execução de obras antigas e belíssimas por parte da orquestra, entremeada de esplêndidas pregações de aproximadamente meia hora. Costumam ser três os pregadores, que se substituem a cada três dias. Não raro um dos pregadores é um bispo. Um detalhe que a meu ver enriquece o ato é o uso do púlpito antigo, localizado no meio da Igreja, no alto.


            A procissão com as belíssimas imagens barrocas de Nossa Senhora do Carmo e São Simão Stock merece uma especial menção. É tocante a parada da imagem de Nossa Senhora diante do cemitério da Ordem Terceira do Carmo, como que a significar a visita da Mãe de Deus às almas do purgatório, para trazer-lhes alívio e levá-las definitivamente ao paraíso. Na missa das três horas, no dia da Virgem do Carmo, há a imposição do escapulário para aqueles que se inscreveram previamente na Confraria do Escapulário. Vale lembrar que o uso do escapulário, mediante o necessário rito de imposição pelo sacerdote, é enriquecido com abundantes graças espirituais que testemunham o favor de Nossa Senhora pelos carmelitas.


            Ainda se destaca nos dias da novena a disponibilidade de inúmeros sacerdotes para o atendimento de confissões individuais, artigo raro em dioceses devastadas pela teologia da libertação, mas abundante na bela e conservadora São João. A São João del-Rei dos sinos, referência nos artefatos litúrgicos, efervescente na música, de Dom Lucas Moreira Neves, de Nhá Chica resiste valentemente à crise de identidade católica que destroça vários lugares do Brasil.


            Quero eu persuadir a tantos quantos eu possa, a tantos quantos têm sede de água viva, têm fome de Deus e do belo, que pelo menos uma vez na vida se permitam desfrutar da sétima maravilha escondida do mundo, participando da novena (ainda que por alguns dias) e da festa de Nossa Senhora do Carmo em São João del-Rei.




Paul Medeiros Krause

sexta-feira, 27 de junho de 2014

INDULGÊNCIA PLENÁRIA DA FESTA DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS



Por ocasião da festa do Sagrado Coração de Jesus, a Igreja concede indulgência plenária ao fiel que recitar publicamente o seguinte Ato de Reparação:
Dulcíssimo Jesus, cuja infinita caridade para com os homens é por eles tão ingratamente correspondida com esquecimentos, friezas e desprezos, eis-nos aqui prostrados na vossa presença, para vos desagravarmos, com especiais homenagens, da insensibilidade tão insensata e das nefandas injúrias com que é, de toda a parte, alvejado o vosso amaríssimo Coração. 
Reconhecendo, porém, com a mais profunda dor, que também nós, mais de uma vez, cometemos as mesmas indignidades, para nós, em primeiro lugar imploramos a vossa misericórdia, prontos a expiar não só as próprias culpas, senão também as daqueles que, errando longe do caminho da salvação, ou se obstinam na sua infidelidade, não vos querendo como pastor e guia, ou, conculcando as promessas do batismo, sacudiram o suavíssimo jugo da vossa santa lei.  
De todos estes tão deploráveis crimes, Senhor, queremos nós hoje desagravar-vos, mas, particularmente, da licença dos costumes e modéstias do vestido, de tantos laços de corrupção armados à inocência, da violação dos dias santificados, das execrandas blasfêmias contra vós e vossos Santos, dos insultos ao vosso Vigário, e a todo o vosso Clero, do desprezo e das horrendas e sacrílegas profanações do Sacramento do divino amor, e, enfim, dos atentados e rebeldias das nações contra os direitos e o magistério da vossa Igreja.  
Oh! se pudéssemos lavar, com o próprio sangue, tantas iniquidades!  
Entretanto, para reparar a honra divina ultrajada, vos oferecemos, juntamente com os merecimentos da Virgem Mãe, de todos os Santos e almas piedosas, aquela infinita satisfação, que vós oferecestes ao Eterno Pai sobre a cruz, e que não cessais de renovar, todos os dias, sobre nossos altares.  
Ajudai-vos, Senhor, com o auxílio da vossa graça, para que possamos, como é nosso firme propósito, com a vivacidade da fé, com a pureza dos costumes, com a fiel observância da lei e caridade evangélicas, reparar todos os pecados cometidos por nós e por nosso próximo, impedir, por todos os meios, novas injúrias de vossa divina Majestade e atrair ao vosso serviço o maior número de almas possíveis.  
Recebei, ó benigníssimo Jesus, pelas mãos de Maria santíssima reparadora, a espontânea homenagem deste nosso desagravo, e concedei-nos a grande graça de perseverarmos constantes, até a morte, no fiel cumprimento dos nossos deveres e no vosso santo serviço, para que possamos chegar todos à pátria bem-aventurada, onde vós com o Pai e o Espírito Santo viveis e reinais, Deus, por todos os séculos dos séculos. Amém.
Em outras circunstâncias, a reza deste Ato de Reparação alcança indulgências parciais.
 
É importante lembrar que, para ganhar indulgências, são necessárias: a confissão sacramental, a comunhão eucarística e a oração pelo Sumo Pontífice. Providencialmente, hoje, dia 27 de junho, é o aniversário de sagração episcopal do Santo Padre, o Papa Francisco. Aproveitemos a festa do Sagrado Coração de Jesus para dobrar os nossos joelhos pelo sucessor de São Pedro, a fim de “que o Senhor o conserve, lhe dê vida longa, o faça santo na terra, e não o entregue à vontade de seus inimigos”.
 
Por Equipe Christo Nihi Praeponere
 
 
 

quinta-feira, 26 de junho de 2014

OS EXTRAODINÁRIOS BENEFÍCIOS DO ESCAPULÁRIO DO CARMO


O QUE É O ESCAPULÁRIO DO CARMO

 

 

Uma das devoções mais difundidas é o escapulário do Carmo. Ele consiste em duas peças retangulares de tecido (de lã, como se diz logo a seguir; as imagens que normalmente trazem não são essenciais), unidas por duas fitas ou cordões levados sobre os ombros (‘scapula’, em latim; daí a origem do nome).

 

O tecido do escapulário do Carmo é de lã marrom (a mais comum) ou preta. O seu valor reside precisamente nesse tecido, com a bênção apropriada, não nas imagens. Pode ser lavado, podem-se mudar os cordões, pode ser revestido de plástico para não sujar, etc.: o importante é que o tecido esteja em boas condições.

 

Há fiéis que preferem usar medalhas-escapulários, que duram mais. Isso foi permitido pelo Papa São Pio X, que em 16 de dezembro de 1910 concedeu que o escapulário – uma vez imposto [notar bem: na imposição deve ser usado o de pano] – pudesse ser substituído por uma medalha que tivesse de um lado uma imagem de Nossa Senhora do Carmo e do outro lado, uma imagem do Sagrado Coração de Jesus.

 

 

ORIGENS E BENEFÍCOS DO ESCAPULÁRIO DO CARMO

 

 

O costume de usar o escapulário data da Idade Média. Naquela época, era frequente permitir-se aos leigos ingressarem nas ordens religiosas como ‘oblatos’ ou membros associados. Esses ‘oblatos’ participavam das orações e boas obras dos monges, e era-lhes permitido usar o escapulário monástico. O escapulário era então uma longa peça de pano igual à que se enfia pela cabeça do monge, cobrindo-lhe a frente e as costas, sobre a túnica. Para ficarem mais práticos, os escapulários usados pelos membros leigos das ordens terceiras começaram a diminuir de tamanho, até chegarem às pequenas dimensões dos escapulários de hoje.

 

Nos nossos dias, há um total de dezoito tipos de escapulários difundidos entre os católicos, cada um originado numa ordem religiosa diferente. Mas o mais usado é o escapulário marrom da ordem Carmelita, cuja especial padroeira é a Virgem do Carmo. A popularidade do escapulário marrom é devida, em parte, às graças específicas que estão associadas a ele e prometidas pela própria Virgem Maria nas suas aparições a São Simão Stock e ao Papa João XXII: a garantia de que todo aquele que o usar devotamente não morrerá em pecado mortal, e o privilégio sabatino, que se explica adiante.

 

A visão de São Simão Stock e a graça da perseverança final

 

São Simão Stock nasceu na Inglaterra (provavelmente em Aylesford) por volta do ano 1165; aos 12 anos de idade retirou-se para viver em solidão acompanhado de um crucifixo e de uma imagem de Nossa Senhora. Anos mais tarde, acaba por conhecer um grupo de religiosos eremitas, originários do monte Carmelo (na Terra Santa), que foram para na Europa fugindo da perseguição muçulmana; sentindo-se enormemente atraído por essa vocação, decide juntar-se a eles. Após estudar em Oxford e assumir diversos cargos de direção, é nomeado sexto geral (superior) da ordem do Carmelo, no ano de 1245.

 

Já nesse cargo, via as dificuldades e as perseguições intensas a que seus irmãos estavam sendo sujeitos, tendo a Ordem perdido muitos dos seus membros por isso. Decide recorrer à proteção de Nossa Senhora invocando-a com o título de “Flor do Carmelo”.

 

[...]

 

Nossa Senhora atende a sua súplica e aparece-lhe, rodeada de anjos e segurando o escapulário da ordem. Em seguida, faz-lhe uma promessa: “Isto será um privilégio para ti e para todos os Carmelitas. Quem morrer com este escapulário, não experimentará a pena do fogo eternamente, e, se morrer com ele, será salvo”.

 

Embora a data da aparição seja incerta, situa-se dentro do generalato de São Simão (1245-1265) e é anterior ao dia 13 de janeiro de 1252, em que o Papa Inocêncio IV expediu a bula “Ex parte dilectorum”, em que testemunha a veracidade deste privilégio. Tradicionalmente, acredita-se que ocorreu a 16 de julho de 1251 – que ficou sendo a data da festa de Nossa Senhora do Carmo --, estando o santo em Cambridge.

 

É preciso entender corretamente o conteúdo dessa promessa feita pela Virgem: a perseverança final – isto é, a salvação – para quem morrer usando o escapulário. A graça que Nossa Senhora concede aos que usam o escapulário e morrem com ele é a de se arrependerem de todos os pecados cometidos em vida, já que é uma verdade de fé que só se pode salvar quem estiver em estado de graça na hora da morte.

 

Em suma, para alcançar o privilégio da perseverança final é preciso:

 

1) Usar o escapulário do Carmo, imposto e abençoado devidamente pelo sacerdote.

 

2) Usá-lo piedosamente, ou seja, esforçando-se por cumprir os deveres cristãos.

 

3) Levá-lo posto na hora da morte.

 

A visão de São Simão Stock é uma tradição piedosa e não matéria de fé; não é algo em que devamos crer necessariamente, embora haja bastante evidência histórica apontando para a sua veracidade. Por exemplo, o relato aparece já desde o século XIV em documentos internos da Ordem Carmelitana aprovados pelos papas da época.

 

Além disso, devemos ter presente que muitos papas fomentaram o uso do escapulário do Carmo e lhe concederam indulgências, como devoção grata a Santa Maria que é: ao usá-lo, ficamos sob o seu amparo maternal; e aqueles a quem foi imposto pelo sacerdote participam das missas, orações e boas obras da ordem Carmelitana. Como já dissemos acima, o Papa Inocêncio IV (1243-1254) publicou uma bula em que fala do tema. E um pouco mais tarde, há a bula ‘Sacratissimo ut culmine’ (março de 1322), do Papa João XXII, em que o Pontífice não apenas recomenda vivamente o escapulário como relata uma aparição da Virgem para si.

 

 

O Papa João XXII e o privilégio sabatino

 

 

Conta-se que o Papa João XXII teve uma visão de Nossa Senhora a 3 de março de 1322. Nela, Nossa Senhora teria prometido a libertação do purgatório, no primeiro sábado após a morte, a todo aquele que cumprir as seguintes condições:

 

1) Usar o escapulário do Carmo, imposto e abençoado devidamente pelo sacerdote;

 

2) Usá-lo piedosamente, ou seja, esforçar-se por cumprir os deveres cristãos;

 

3) Levá-lo posto na hora da morte;

 

4) Observar o sexto e o nono mandamentos de acordo com o seu estado de vida, isto é, não pecar contra a castidade e não cometer adultério;

 

5) Recitar o Pequeno Ofício de Nossa Senhora, ou, se iletrado, jejuar quando manda a Igreja e também abster-se de carne nas quartas-feiras e nos sábados. A recitação do Pequeno Ofício pode ser comutada por um padre que tenha faculdade para tal; geralmente é substituída pela recitação de uma parte do santo rosário diariamente. Aqueles – sacerdotes em sua maioria – que já recitam o Ofício Comum de Nossa Senhora também satisfazem a condição.

 

 

Indulgências plenárias associadas ao uso do escapulário

 

 

Além dos dois privilégios especialíssimos do escapulário, a Igreja concede indulgência plenária nas datas que se indicam a seguir àqueles fiéis que cumprirem as condições habituais para tanto (Confissão Sacramental, Comunhão Eucarística e a oração em intenção do Sumo Pontífice em dias próximos a essas datas):

 

1. No dia da imposição do escapulário;

2. Na solenidade de Nossa Senhora do Carmo (16 de julho);

3. Na festa de São Simão Stock (16 de maio);

4. Na festa de Santo Elias, profeta (20 de julho);

5. Na festa de Santa Teresa de Jesus (15 de outubro);

6. Na festa de São João da Cruz (14 de dezembro);

7. Na festa de Santa Teresa do Menino Jesus (1 de outubro);

8. Na festa de todos os santos da ordem do Carmo (14 de novembro).

 

 

 

(“O escapulário do Carmo”. Cultor de Livros)

O CORAÇÃO DE JESUS E A SEGUNDA MORADA


 

            Há dois ou três anos, fiz a confissão mais tocante da minha vida. Creio que jamais a esquecerei. Aproximei-me do sacerdote profundamente humilhado, envergado, esmagado pelo peso das minhas culpas. Não tinha quase coragem de olhá-lo nos olhos. Estava preparado para apanhar a pauladas e ser escorraçado do confessionário aos pontapés. Eu esperava severas, duríssimas, acérrimas admoestações da parte do ministro de Deus. Mas, para minha surpresa, ele tratou-me com uma brandura e delicadeza tão inesperadas, tão suaves, aliviou-me de tantos pesos e dúvidas, que eu desabei.

 

            O sacerdote era tão humilde! Falava-me como se ele próprio pudesse cometer aqueles mesmos pecados – ou até piores! –, não fosse uma especial proteção de Deus. Suas palavras pareciam tocar alguma mola ou algum tipo de sentido interior da minha alma, produzindo o assustador efeito de uma convulsão de soluços e um jorrar de lágrimas totalmente imprevistos. A cada palavra sua era como se, um a um, pesos inconcebíveis fossem retirados de cima das minhas costas, ou de dentro do meu peito, ou de cima da minha alma, pesos que me esmagavam, que me trituravam, que me repartiam.

 

            Era uma sexta-feira. Solenidade do Sagrado Coração de Jesus. Só me dei conta disso depois, talvez na tarde do mesmo dia. Confessei-me aproximadamente às onze horas da manhã.

 

            Desde aquele dia de luz solar prateada e céu azul com poucas nuvens, tenho uma especial devoção pela Solenidade do Sagrado Coração, pois acredito que Jesus Cristo emprestou misteriosamente seu coração ao sacerdote naquela sexta-feira. Até que me provem o contrário, estou convencido de que o Divino Coração tenha, nos seus desígnios solares, desejado que eu tivesse uma profunda experiência da sua misericórdia na data da sua solenidade.

 

            “Vinde a mim, vós todos que estais cansados e sobrecarregados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque eu sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para as vossas almas. Pois o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve.” (Mateus 11, 28-30)

 

            Esses versículos da escritura encarnaram-se naquele dia luminoso e ameno. O próprio Jesus Cristo, com sua mansidão e suavidade, numa espécie de esconde-esconde, parecia estar oculto naquele homem de batina preta. Aquele dia foi para mim a experiência profunda do alívio, do repouso, do descanso, da mansidão.

 

            Quando eu leio o “Castelo interior ou Moradas” de Santa Teresa de Ávila, tenho sempre a impressão de que me encontro nas segundas moradas. Eu sinto os tiros de canhão, o barulho do arsenal da artilharia infernal, a luta encarniçada das hostes inimigas, a me rasgarem por dentro, ensurdecendo-me com os seus estampidos. Sinto os meus sentidos revoltosos, confusos, magoados por terem sido usados contra o seu criador. Eu não acreditaria na descrição que Santa Teresa faz das segundas moradas se eu não sentisse com tal realismo a precisão dos seus conceitos e a exatidão das suas figuras. Se eu não apalpasse com as minhas próprias mãos a duríssima realidade da sua descrição, creio que teria dificuldades de levar a sério as suas palavras.

 

            Sim, meus amigos, parece que me encontro ali, nas segundas moradas de minha alma, fazendo a contínua experiência da misericórdia de Deus, após as mordidas das víboras e o inchaço consequente. Sentindo o ardor do veneno e sorvendo a doçura do antídoto. Aguardando que o Coração de Jesus Cristo me visite e me convide para aposentos mais íntimos.

 

 

 

Paul Medeiros Krause

terça-feira, 24 de junho de 2014

O ESCAPULÁRIO DO CARMO

Aproxima-se a festa de Nossa Senhora do Carmo. É importante aproveitar essa data, 16 de julho, para receber a imposição solene do escapulário em alguma igreja carmelita, sem a qual o uso do escapulário não confere os grandes privilégios espirituais assegurados pelos Papas, dentre os quais se destaca a promessa da salvação eterna para quem morrer usando-o como bom cristão e o privilégio sabatino, a saída do purgatório no sábado seguinte à morte, atendidos os requisitos próprios.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

O PRIMOGÊNITO


 

            Há um pequeno trecho do evangelho de São Lucas que costuma escandalizar algumas pessoas pouco afeitas à interpretação das sagradas escrituras. Parece mesmo que o Divino Espírito Santo gosta de chocar e confundir alguns espíritos mais suscetíveis e sempre prontos a arrancar os cabelos diante de qualquer dificuldade interpretativa. É o seguinte: “e ela deu à luz seu filho primogênito” (Lc 2, 7).

 

            A Bíblia de Jerusalém traz a seguinte nota ao trecho citado: “No grego bíblico, o termo não implica necessariamente a existência de irmãos mais novos, mas sublinha a dignidade e os direitos da criança”.

 

Certamente, muitos lembram-se da passagem de Esaú e Jacó, em que o primeiro, por um prato de lentilhas – figura do pecado, em que trocamos a graça de Deus por qualquer bagatela criada --, cede ao segundo o seu direito de primogenitura. Recordamo-nos, também, do episódio em que Jacó se disfarça de Esaú, com a cumplicidade de sua mãe, para receber a bênção paterna, destinada ao filho primogênito.

 

            Deus põe à prova a nossa confiança. Ele não aprecia espíritos excessivamente desconfiados, inseguros. Pouco ou nada adiantaria o Espírito Santo ter inspirado a redação da Bíblia se Ele também não suscitasse uma espécie de “Suprema Corte Constitucional” que nos fornecesse uma “interpretação conforme à Constituição” do texto sagrado. Essa “Suprema Corte Constitucional”, que nos interpreta a Bíblia conforme à revelação de Deus, conforme Deus, é a Igreja Católica.

 

Os teólogos da libertação dizem que o verdadeiro intérprete da Bíblia é o povo, oprimido pela hierarquia católica. Mas eles, os teólogos da libertação, possuem também duas imagens representativas no evangelho: Judas, ladrão dos direitos divinos, que quis roubar o dinheiro do perfume que ungiu Jesus, sob pretexto de ajudar os pobres, e Jesus Barrabás (“Bar-Abbas”, filho do pai. “Bar” significa filho; Bartimeu é o filho de Timeu. Segundo muitos manuscritos antigos, Barrabás chamava-se Jesus), o Jesus agitador, assassino, revolucionário, que pega em armas para promover justiça social. Os teólogos da libertação são os que agitam o povo para escolher o Jesus mundano, revolucionário, o Jesus “Che Guevara”, em lugar de Jesus Cristo que veio salvar o povo dos seus pecados.

 

            Ora, diz-nos o evangelho, toda autoridade vem de Deus. (Quem entregou Jesus a Pilatos tem pecado maior). Autoridade, não autoritarismo. Cristo deu as chaves do reino dos céus a Pedro e constituiu apóstolos. É, pois, a hierarquia católica sim que detém condições, lançando mão de todos os meios próprios, históricos, linguísticos, espirituais, para fixar a correta interpretação do texto bíblico.

 

            “Não vos deixarei órfãos”, disse Jesus. Nem mesmo em questões interpretativas. A Igreja que é nossa mãe e mestra toma-nos pelas mãos e nos explica carinhosamente a palavra do Pai.

 

            Pois bem, meus amigos. Feita essa digressão, convém recordar que na Bíblia não há palavras ociosas. Às vezes, um mesmo trecho bíblico possui infinitos sentidos lícitos possíveis, que não contrariam o ensinamento da Igreja. Sempre há sentidos espirituais muito profundos ocultos em cada uma das palavras do texto sagrado.

 

            Se aquele pequeno trecho de São Lucas realça a dignidade do recém-nascido, também chamado depois por São Paulo de “primogênito da criação”, “o novo Adão”, há também outros sentidos possíveis de ser encontrados nele.

 

            De fato, Jesus Cristo foi o filho primogênito de Maria. O princípio do evangelho de São Lucas já indica o que a Igreja com tanta sabedoria intuiu: que Maria é nossa mãe. No Evangelho de São João não está dito: “Mulher, eis teu filho!” e “Eis tua mãe” (Jo 19, 26-27)?

 

            Diz São Luís Maria Grignion de Montfort, no “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem”:

 

“Conforme a explicação de alguns Santos Padres o primeiro homem nascido em Maria é o homem-Deus, Jesus Cristo; o segundo é um homem puro, filho de Deus e de Maria por adoção. Se Jesus Cristo, o chefe dos homens, nasceu nela, os predestinados, que são membros deste chefe, devem também nascer nela, por uma consequência necessária. Não há mãe que dê à luz a cabeça sem os membros ou os membros sem a cabeça; seria uma monstruosidade da natureza. Do mesmo modo, na ordem da graça, a cabeça e os membros nascem da mesma mãe, e, se um membro do corpo místico de Jesus Cristo, isto é, um predestinado, nascesse de outra mãe que Maria, que produziu a cabeça, não seria um predestinado, nem membro de Jesus Cristo, e sim um monstro na ordem da graça.”

 

            Acrescenta São Luís Maria:

 

“Assim como na geração natural e corporal há um pai e uma mãe, há, na geração sobrenatural, um pai que é Deus e uma mãe, Maria Santíssima. Todos os verdadeiros filhos de Deus e os predestinados têm Deus por pai, e Maria por mãe; e quem não tem Maria por mãe, não tem Deus por pai.”

 

            Por isso, meus irmãos, meditemos sempre com profunda veneração nessas palavras de São Lucas: “e ela deu à luz seu filho primogênito”. Não nos perturbemos ante a sua abundância de sentido. Nós somos os outros filhos de Maria.

 

 

 

Paul Medeiros Krause

sábado, 14 de junho de 2014

HOMENAGEM AO ANIVERSÁRIO DE FALECIMENTO DE CHESTERTON



Chesterton, a grande inspiração de Gustavo Corção, recebendo uma flor de uma criança.

Que chegue a bom termo e seja logo concluído seu processo de beatificação e canonização!

Lembre-se de nós que aqui ainda estamos, Gilbert!

sexta-feira, 13 de junho de 2014

ERRATA


HAVIA ERROS DE TRANSCRIÇÃO NOS DOIS ÚLTIMOS 'POSTS', QUE FORAM CORRIGIDOS. TRATA-SE DO TRECHO EM QUE GUSTAVO CORÇÃO DIZ QUE UMA LOCOMOTIVA SUBSTITUI OUTRA LOCOMOTIVA, MAS UMA OBRA DE ARTE NÃO SUBSTITUI OUTRA OBRA DE ARTE.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

"QUADROS DE UMA EXPOSIÇÃO", GUSTAVO CORÇÃO

 
"Visitando outro dia a exposição dos quadros pertencentes ao Museu de Arte de São Paulo, que durante um mês estiveram exibidos no Rio, pude fazer, ou refazer, a viva e convincente experiência da perenidade da arte. Contra a moderna tendência que vê na sucessão de obras, de escolas, de buscas, mais a fugacidade do que a permanência, mais as procuras instáveis do que as conquistas, mais o efêmero do que o definitivo, e sobretudo mais os movimentos do que as obras, sempre tive como postulado fundamental de sã filosofia estética que não existe superação e substituição no processo evolutivo da arte, como realmente existe no progresso da técnica. Uma locomotiva supera, substitui, torna obsoleta a diligência que transportou nossos avós; mas não há obra de arte que torne obsoleta outra obra de arte. Os quadros se sucedem no tempo de surgimento, na hora de entrar no grande salão universal que um dia, no último dia, estará completo; e então mostrará, a Deus e aos anjos, a coleção de gestos com que uma estranha raça glosou o mote fundamental da humana essência, assim como quem diz: – Quereis saber o que é um homem? Aí está a variedade que nasce na riqueza de uma alma racional... Sucedem-se as obras, chega uma após outra, condicionada, marcada pelo século, mas não subordinada, não determinada pela história. O século passa com seus outros sinais fugazes, a obra fica. O século passa com seus outros sinais fugazes, a obra fica. E não fica apenas como permanecem nos museus os utensílios e ferramentas de outras eras, comoventemente ridículos, a lembrar o tempo em que o homem engatinhava naquele ofício. A genuína obra de arte fica e permanece presente. Seu valor, embora colorido do ambiente em que surgiu, transcende às circunstâncias e às épocas, marcando uma vitória sobre o tempo. Anda assim errado o artista que tem, como primeira e principal, a preocupação de ser de seu tempo. Submete-se assim ao que deve vencer; prende-se ao condicionamento de que se deve livrar; e com tal alienação só poderá fazer obra medíocre de imitação servil recomendada pela moda e exaltada por uma espécie de colunismo social, que tanto existe para vestidos como para as artes, e até para o apostolado religioso.”
 
(Gustavo Corção, “O desconcerto do mundo”)

quarta-feira, 11 de junho de 2014

VESTÍGIOS DA ETERNIDADE


            Caro leitor, quando me acontece de ler algum clássico da literatura universal, uma obra daquelas que nos eleva, que nos torna melhores, sinto imediatamente gratidão pelo autor. Por vezes, agradeço em espírito a Beethoven não só por uma obra completa, sinfonia, concerto ou sonata, mas por uma determinada nota ou por algum trecho de determinada composição. Digo a ele: “Obrigado por exatamente essa nota!” “Obrigado porque aqui não há mero enfeite supérfluo ou dissimulada afetação, mas a sua alma nua, íntegra, em sonora comunicação.”

 

            Tenho pelos grandes artistas, não importa se pintores, escultores, músicos, escritores, profunda gratidão e igual veneração. Por quê?, indaga-me o leitor. Porque, respondo, a arte é um sacerdócio, é um prolongamento do poder criador de Deus, é o sétimo dia da criação, em que Deus descansou para o homem completar. A verdadeira arte, a arte genuína, que seja digna desse nome, é um vestígio da eternidade, um relâmpago fora do tempo, uma antevisão do paraíso, uma pregação de Deus.

 

            Aquela obra, não importa de que tipo, que revela o gênio e em que o gênio se revela leva-nos a um estado de contemplação algo semelhante ao êxtase dos místicos: por um instante, esquecemo-nos do mundo e talvez até de nós mesmos, para contemplar o belo. Ora, o êxtase dos ascetas, antegozo do céu, também é um esquecer-se do mundo, elevar-se do mundo, para mergulhar na beleza insondável e imutável, que, afinal, outra coisa não é do que o próprio Deus.

 

            Ensinam-nos os teólogos cristãos que Deus não é bom, ele é a bondade; Deus não é justo, ele é a justiça; Deus não é belo; ele é a beleza. Só Deus existe por si mesmo, sem depender de qualquer outro ser. Deus é a causa de todos os outros seres, enquanto o ser de Deus não tem causa, é incausado. Deus é a causa incausada. Ele não é causado, não é efeito de uma causa anterior a ele; simplesmente é. Todos os seres existem tão somente por participação no ser de Deus. Se não participassem do ser de Deus de alguma forma, não seriam, não existiriam.

 

            Ora, o mesmo acontece com a beleza. Tudo o que é belo retira a sua parcela de beleza do ser de Deus. Fora de Deus não há beleza (com certeza, muitos modismos e cortes de cabelo não são de Deus!). Se algo é genuinamente belo, estejamos certos, é porque ele participa do ser de Deus em alguma medida. É por isso que, quanto mais perfeita e acabada a obra, mais ela tende à atemporalidade, sua maravilha atravessa o oceano dos tempos, cruza os mares das modas, surpreendendo homens de várias idades ou épocas. Quanto menor a obra, mais temporal, mais marcada ela é pelas cicatrizes do tempo. Pode-se dizer também que quanto mais perfeito o produto do gênio humano, mais universal, mais desprendido ele está de circunstâncias territoriais. Ele é universal no tempo e no espaço. Nesse sentido, a verdadeira Igreja somente poderia ser católica, universal.

 

            Assim, podemos dizer sem medo de errar que o mal e a feiura não são entes, não existem, pois não participam do ser de Deus, em que não há qualquer defeito ou vício. O mal e o feio são carências de ser, privações de ser. O mal, o feio e o injusto existem apenas como carências, como deficiências, como perdas de ser; não possuem existência ontológica. Dessa forma explica-se um pouco a transmissão do pecado original: os primeiros pais pecaram. O pecado acarretou uma perda de ser em sua natureza original, pois só o que é puro e incorrupto, íntegro, inteiro, pode corromper-se ou tornar-se viciado. Foi essa natureza quebrada, viciada, ferida, que nossos primeiros pais nos transmitiram.

 

            Gustavo Corção construiu uma belíssima imagem em seu “O desconcerto do mundo”. Diz ele que as obras artísticas genuínas serão apresentadas a Deus pelos homens, no ofertório do fim do mundo. Tudo o que o espírito humano produziu de belo, será ofertado à fonte e à origem de toda a beleza, no fim dos tempos:

 

“Uma locomotiva supera, substitui, torna obsoleta a diligência que transportou nossos avós; mas não há obra de arte que torne obsoleta outra obra de arte. Os quadros se sucedem no tempo de surgimento, na hora de entrar no grande salão universal que um dia, no último dia, estará completo; e então mostrará, a Deus e aos anjos, a coleção de gestos com que uma estranha raça glosou o mote fundamental da humana essência, assim como quem diz: – Quereis saber o que é um homem? Aí está a variedade que nasce na riqueza de uma alma racional... Sucedem-se as obras, chega uma após outra, condicionada, marcada pelo século, mas não subordinada, não determinada pela história. O século passa com seus outros sinais fugazes, a obra fica.”

 
            É por tudo isso que eu alimento a serena convicção de que a arte contém vestígios do paraíso, uma espécie de coautoria divina ou pó celeste, despertando nossos sentidos para o que há de vir, preparando-nos para o súbito encontro com o máximo grau de beleza, de cuja intensidade jamais poderíamos suspeitar. Deve ser um esplendor solar, luminoso, a ponto de quase nos cegar.

 

            Em vista dessa gratidão que eu trago em meu peito por todo artista verdadeiro, isto é, por aqueles que não estão presos à camisa de força da moda, às amarras de tempo e de lugar, em virtude, repito, da minha veneração por essa peculiar espécie de filhos de São Domingos, que prega pelo seu gênio, ocorre-me muitas vezes de recomendá-los a Deus e de deplorar os maus artistas que envenenam nossas almas com feiuras escatológicas.

 

            Nós devemos ser muito agradecidos a Deus pela arte. Nesse vale de lágrimas é-nos concedida alguma distensão, algum remédio, algum alívio. Ela traz-nos uma espécie de assombro, de susto, de gozosa e instantânea morte.

 

 

 
Paul Medeiros Krause

sábado, 7 de junho de 2014

EXCERTO DE "SOLILÓQUIOS", DE SANTO AGOSTINHO

"Deus, criador de todas as coisas, concede-me primeiro que eu faça uma boa oração; em seguida, que me torne digno de ser ouvido por ti; por fim, que me atendas. Deus, por quem tende a ser tudo aquilo que por si só não existiria. Deus, que não permites que pereça nem mesmo aquilo que se destrói. Deus, que do nada criaste este mundo, o qual acham belíssimo os olhos de todos os que o contemplam. Deus, que não fazes o mal e fazes que este não seja pior. Deus, que mostras aos poucos, que se aproximam do que é verdadeiro, que o mal é nada. Deus, por quem todas as coisas são perfeitas, ainda com a parte que lhes toca de imperfeição. Deus, por quem se atenua ao máximo qualquer dissonância quando as coisas piores se harmonizam com as melhores. Deus, a quem amam, consciente ou inconscientemente, todos os que possam amar. Deus, em quem todas as coisas subsistem e para quem, contudo, não é torpe a torpeza de qualquer criatura, a quem não prejudica a sua malícia nem o afasta o seu erro. Deus, que não quiseste que conhecessem a verdade senão os puros. Deus, Pai da verdade, Pai da sabedoria, Pai da verdadeira e suprema vida, Pai da felicidade, Pai do que é bom e belo, Pai da luz inteligível, Pai do nosso desvelo e iluminação, Pai da garantia pela qual somos aconselhados a retornar a ti."


(Santo Agostinho, "Solilóquios")


P.S.: Digam o que quiserem. Para mim, Santo Agostinho não tem par; é simplesmente imbatível.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

A VERDADEIRA BOMBA DE HIROSHIMA


                        Quando o Espírito Santo suscitou o Concílio Vaticano II, tão criticado por aqueles que se apegam às formas exteriores e desprezam o conteúdo do depósito da fé, Ele, na Sua Onisciência, sabia que o leigo haveria de salvar a Igreja. O Espírito Santo sabia que a Igreja de Cristo, que segue a mesma sorte do Seu Esposo, flagelada se encontrava, e mais flagelada ainda seria. Por algum estranho desígnio de Deus, a Igreja de Jesus Cristo parece ter estacionado na sexta-feira santa; às vezes, parece mesmo ter estacionado na quinta do lava-pés, pois Judas continua misturado com os apóstolos.

 

                        Perdoem-me o excesso de franqueza ou de pessimismo, mas não há quem, olhando para a situação da fé católica no Brasil, não depare com um desolador cenário de guerra. São miríades e miríades de cadáveres insepultos, de aleijados, de amputados, de inválidos, de queimados, de deformados espirituais que pululam aqui e ali, julgando-se ainda pertencentes às fileiras da Igreja Militante. São almas assassinadas, destroçadas, corrompidas, embotadas e amputadas por toneladas de lixo teológico. A bomba de Hiroshima destruiu corpos e vidas; mas a hecatombe da teologia da libertação arrasou almas, matando nelas a graça santificante, ridicularizou dogmas, menoscabou sacramentos, devastou dioceses, esvaziou paróquias, desesperou pobres, difamou ricos e, de quebra, lotou as igrejas protestantes.

 

                        Certa vez um sacerdote muito instruído e piedoso disse-me: “qualquer irreverência para com Jesus Eucarístico é mais grave do que uma guerra, em razão da dignidade da pessoa ofendida. Na guerra, ofendem-se homens; no desrespeito à Hóstia Consagrada, ofende-se a Deus diretamente”. Basta refletirmos nessas palavras, muito sábias, muito justas, para percebermos que o flagelo, a hecatombe nuclear ainda persiste.

 

                        É claro que há muitos sacerdotes e bispos santos, mas, por outro lado, há também dioceses em que a falta de respeito, o achincalhe, diria quase a zombaria, para com Jesus Eucarístico parece ter virado norma obrigatória, regra de conduta. Abrindo um parêntese, gostaria de fazer notar que a página mais dura do Evangelho é justamente aquela em que Jesus Cristo pegou do chicote com inflamada ira para fazer cessar imediatamente a profanação do templo.

 

                        Se Nosso Senhor me permitir hoje, eu gostaria de pegar emprestado o Seu chicote e beber do cálice da Sua ira. Porque muitos de nossos templos têm sido diuturnamente profanados, e com tal desfaçatez, que não é possível que a coisa continue dessa forma.

 

                        Na Igreja Nossa Senhora do Carmo do Sion, em Belo Horizonte, Minas Gerais, permite-se que um herege zombe de Jesus Cristo, do culto à Virgem Maria e brinque de celebrar Missa. Ora, o templo é sagrado. Não há razões diplomáticas que justifiquem a profanação do templo por um ex padre que zomba da Eucaristia e encena, na presença Dela, uma afrontosa peça de teatro.

 

                        Em outras paróquias da mesma diocese (não digo que sejam todas; há exceções!), é comum verem-se pessoas adultas assistindo às Missas com roupas de fazer caminhada, shorts ou calças tão apertadas que mostram quase os contornos da alma. É tal a ideia que as pessoas têm da liturgia, que a Missa vira um anexo da caminhada, uma “escapadinha” do exercício físico. Elas não têm a compreensão de que estão realmente diante do Calvário, da Paixão do Senhor, que se atualiza, que se realiza de forma incruenta, diante de seus olhos. Não entendem que só há uma Missa: a do Calvário, que não é repetida ou relembrada, mas simplesmente atualizada, tornada presente. Nem são disso esclarecidas.

 

                        Não sei quantas vezes já tive de pedir a pessoas que nem conheço que não mascassem chicletes dentro da Igreja e, sobretudo, durante as Missas. Duas ou três vezes impedi, pela força da argumentação, que indivíduos recebessem a comunhão mantendo ainda a goma de mascar na boca. Em outra ocasião, reparei que a pessoa não ousou comungar com o chiclete, mas poucos instantes antes da comunhão, colou-o na parte inferior do banco.

 

                        Ora, a boa educação já exigiria que, por respeito aos outros, aos demais fiéis, se honrasse um lugar, um ambiente, uma celebração que para eles são sagrados. Um comportamento condizente com o lugar seria o mínimo que o bom tom e a boa educação exigiriam. Mas, o caso é mais grave, há profanação do templo, violação de direitos divinos.

 

                        O cenário é apavorante; é devastador. É a própria abominação da desolação, de que nos fala o Evangelho, que tomou o templo.

 

                        Não se explica aos fiéis que também as vestes e o comportamento devem corresponder à dignidade da pessoa com quem se encontra. Ninguém vai dirigir-se a um monarca ou chefe de estado trajando short de caminhada, agitando uma goma de mascar na boca e calçado de sandálias havaianas... Há pessoas que se assentam numa Igreja como se estivessem num banco de praça; ficam escornadas, de pernas cruzadas, falando alto e gargalhando. Muitas vezes, conversando no celular. É um calamitoso cenário de guerra.

 

                        Há paróquias em que os livros litúrgicos, os lecionários, não se encontram em boa ordem, em situação digna. Às vezes, andam sujos, engordurados, mal cuidados. Dão até nojo de serem tocados.

 

                        Isso sem falar nessas fábricas de comunhões sacrílegas que são as confissões comunitárias, realizadas com evidente abuso e que dão a falsa impressão aos participantes de que podem ficar anos sem confessar individualmente os seus pecados graves.

 

                        Há sacerdotes que proíbem os fiéis de ajoelharem-se no momento da consagração, institucionalizando uma espécie de anarquia litúrgica, pois não estão revestidos de autoridade para tal.

 

                        Outros, impedem os fiéis de exercerem o seu legítimo direito de receber a comunhão na boca, ou ajoelhados. Outros ainda, institucionalizam a comunhão ‘self service’: o próprio fiel toma a Hóstia e a molha no vinho, sendo que, na verdade, é Cristo que Se doa, é Cristo que Se entrega a nós. Se é Cristo que se doa, é o sacerdote ou o ministro que devem entregar a Hóstia ao fiel. Há um profundo significado teológico nas normas litúrgicas.

 

                        Não, meus amigos! Não é possível continuar assim!

 

                        De que adianta, por exemplo, construir uma nova catedral se as pessoas não são ensinadas a se comportar dignamente dentro dela? Desejam-se novas profanações, novos vilipêndios? De que adianta construir uma igreja de pedra se não se constrói ao mesmo tempo uma bela igreja espiritual, de pessoas vivas, verdadeiros adoradores, que são os que o Pai deseja?

 

                        O povo é bom, e aqui retomo a ideia inicial, o povo é espiritual por natureza. Ele sente o rastro, sente o cheiro de Deus. O povo só não tem sido formado, só não tem sido instruído. Os teólogos da libertação quiseram colocar o povo no lugar de Deus, como se ele, o povo, fosse um bezerro de ouro, o destinatário da liturgia, da celebração eucarística. Não! A liturgia é obra de Deus, para Deus. É Cristo quem celebra a Eucaristia, oferecendo-Se a Deus Pai por nós. O povo é bom e reconhece que não pode tomar o lugar de Deus.

 

                        O Espírito Santo, conhecendo os tempos difíceis por que passaria a Igreja, conferiu maior importância aos leigos. Muitos leigos têm feito uma heroica ação benfazeja, estudando e ensinando aos demais a doutrina e as normas da Igreja, coisa que competiria primariamente ao clero. São esses leigos, que exigem a comunhão na boca, que se ajoelham na hora da consagração, que são ciosos dos seus direitos e dos direitos de Jesus Cristo, que estão fazendo a diferença.

 

                        Louvado seja o Divino Espírito Santo! Bendito seja o Concílio Vaticano II!

 

 

 

Paul Medeiros Krause

EXCERTOS DE "ORTODOXIA", DE GILBERT KEITH CHESTERTON


“Ora, essa é exatamente a reivindicação que venho fazendo para o cristianismo. Não simplesmente que ele deduz verdades lógicas, mas que quando de repente se torna ilógico, ele encontrou, por assim dizer, uma verdade ilógica. Ele não apenas acerta em relação às coisas, mas também erra (se assim se pode dizer) exatamente onde as coisas saem erradas. Seu plano se adapta às irregularidades ocultas e espera o inesperado. É simples no que se refere à verdade sutil. Admite que o homem tem duas mãos, mas não admite (embora todos os modernistas lamentem o fato) a dedução óbvia de que tenha dois corações.

 

Meu único propósito neste capítulo é mostrar isso; mostrar que quando sentimos a existência de algo estranho na teologia cristã, geralmente vamos descobrir que existe algo estranho na verdade.

 

Eu aludi a uma frase absurda que afirmava que não se pode crer neste ou naquele credo em nossa época. É claro que se pode acreditar em qualquer coisa em qualquer época. Mas, embora pareça estranho, há de fato um sentido em que um credo, quando digno de alguma crença, pode ser abraçado mais firmemente numa sociedade complexa do que numa simples. Se um homem julgar que o cristianismo é verdadeiro em Birmingham, ele realmente tem razões mais claras para ter fé do que se o tivesse julgado verdadeiro em Mércia. Pois quanto mais complicada parecer a coincidência, tanto menos ela pode ser uma coincidência. Se caíssem flocos de neve na forma, digamos, do coração [brasão] de Midlothian, poderia ser um acidente. Mas se caíssem flocos de neve com a forma exata do labirinto de Hampton Court, acho que se poderia chamar isso de milagre.

 

É exatamente esse tipo de milagre que passei a perceber na filosofia do cristianismo. A complicação do nosso mundo moderno prova a verdade do credo mais perfeitamente do que qualquer um dos simples problemas das épocas de fé. Foi em Notting Hill e Battersea que comecei a ver que o cristianismo era verdadeiro. É por isso que a fé tem aquela elaboração de doutrinas e detalhes que tanto incomoda os que admiram o cristianismo sem acreditar nele. Quando alguém abraça uma crença, essa pessoa se sente orgulhosa de sua complexidade, como os cientistas se sentem orgulhosos da complexidade da ciência. O fato mostra como ela é rica em descobertas.”

 

 

“Foram Huxley, Herbert Spencer e Bradlaugh que me trouxeram de volta à teologia ortodoxa. Eles me semearam na mente as primeiras fortes dúvidas da dúvida. Nossas avós estavam muito certas quando diziam que Tom Paine e os livres-pensadores perturbavam a cabeça. Perturbavam mesmo. Perturbaram a minha de um modo horrível. O racionalista me fez perguntar se a razão tinha alguma utilidade qualquer; e, quando terminei Herbert Spencer, eu já fora tão longe que duvidei (pela primeira vez na vida) se a evolução havia sequer acontecido. Quando depus a última das palestras ateias do Coronel Ingersoll, irrompeu o terrível pensamento: ‘Tu quase me persuadiste a ser cristão’. Eu o era de um modo desesperado.”

 

 

“O cristianismo era atacado de todos os lados e por todas as razões contraditórias. Mal um racionalista acabara de demonstrar que ele pendia demais para o oriente, outro demonstrava que ele pendia demais para o ocidente. Mal a minha indignação se arrefecera diante de sua configuração quadrada angular e agressiva, minha atenção era novamente chamada para observar e condenar sua irritante natureza redonda e sensual.”

 

 

“O caso começou a ficar alarmante. Não parecia tanto que o cristianismo era suficientemente perverso a ponto de incluir qualquer vício, mas sim que qualquer pau era bom para bater nele. Como seria essa coisa assombrosa que as pessoas queriam tanto contradizer, a ponto de fazê-lo sem importar-se de contradizer-se a si mesmas?”

 

 

(Gilbert Keith Chesterton, “Ortodoxia”)

segunda-feira, 2 de junho de 2014

EXCERTO DE "DOIS AMORES -- DUAS CIDADES"


“O primeiro efeito que preveríamos [da infiltração cultural do nominalismo], ou que observaríamos, é o da desvalorização do homem, a partir da desvalorização do conhecimento. Se se retrai ou contrai o conhecimento, é o homem que diminui. A catástrofe epistemológica será acompanhada inevitavelmente de uma catástrofe cultural e humanística. Resta saber em que direção se desvalorizou o homem. A história nos diz que essa degradação, disfarçada nos primeiros lances com as cores da emancipação, consistiu numa atenção voltada para a relação Homem-Natureza mais do que para as relações Homem-Deus e Homem-Homem.

[...]

Poderemos conceder que o nominalismo tenha contribuído para o progresso da Ciência positiva, que em si é um bem de inestimável valor? Até certo ponto cremos que o nominalismo ajudou o progresso científico. Quando mais não seja pelo fato de desviar maior número de estudantes bem dotados para a pesquisa científica do que para as especulações teológicas.
 
O que é indubitável é que o nominalismo, pelo descrédito trazido à teologia e à metafísica, produziu o ‘cientificismo’, isto é, a cultura comandada pela ciência, em vez de ser comandada pela religião e pela filosofia. Acompanhando a tendência empirista, vem a tendência ‘quantitativista’ e materializadora, que mais tarde, a partir de Descartes, ganhará enorme vigor. Outro efeito, de incalculáveis consequências, é o processo armado pelo nominalismo contra o ‘senso comum’. E ainda assinalaríamos o que chamamos a ‘desvalorização do valor’ especialmente promovida pelo positivismo, que é a mais virulenta reedição moderna do velho nominalismo.
 
[...] Veremos aí que a tendência exteriorizante do nominalismo se traduzirá na moral do egoísmo.

Merece ainda menção especial um prejuízo trazido pelo descrédito da metafísica e pela depressão da cultura religiosa dos tempos modernos: referimo-nos aos fatores que molestarão, durante quatro séculos, o desenvolvimento do ideal democrático, que seria a mais bela aquisição cultural dessa civilização se não estivesse ferida por tantos golpes.

[...]

 Comecemos aqui pelo ‘Cientifismo’. Como atrás já dissemos, esse termo não designa o maior incremento de pesquisas, o maior ardor de estudo nos domínios das ciências naturais. Tudo isto, em si, é bom. O que não é bom é o estado de espírito que coloca a Ciência da natureza na presidência de uma civilização, depois da abdicação da Sabedoria. Uma vez que a inteligência não alcança as coisas superiores, apliquemo-la nesse trabalho de apalpar os fenômenos para deles tirar uma nova confiança em nós mesmos, e para ordenhar a nosso gosto essa imensa mãe telúrica, brutal, que às vezes, no seu sono pesado, mata os próprios filhos.

[...]

A cândida ideia que ocorrerá a muitos espíritos é a seguinte: na continuação dos tempos, a Ciência polirá todas as arestas do Velho Homem, iluminará todas as trevas, resolverá todas as dificuldades. Ora, essa ideia, comicamente falsa, extravagantemente falsa, foi difundida e tornou-se o ar que respiramos e a água que bebemos; e isto só aconteceu porque a Civilização Ocidental Moderna já não tinha à sua presidência os dados da antiga sabedoria. Se a tivesse, ouviria a censura clara e irrefutável: a ciência dos elementos exteriores aumenta o domínio do homem sobre eles, mas não acrescenta nada ao domínio do homem sobre si mesmo. Conhecer a natureza inferior é bom; conhecê-la em detrimento do conhecimento da alma e de Deus não é bom.”

 

(Gustavo Corção, “Dois amores – duas cidades”)