Certamente
o leitor já ouviu falar das sete maravilhas do mundo, que alguém classificou
como pertencentes ao “mundo antigo”. Nomearam também depois as sete maravilhas
do mundo moderno. Queria eu revelar-lhe que possuo de meu lado as minhas
próprias sete maravilhas. Creio que ao leitor seja igualmente permitido ter as
suas. Gostaria, pois, de falar de uma dessas belezas extraordinárias,
descomunais, que pelo menos a mim causa especial deslumbramento.
Em
primeiro lugar, trago reminiscências da juventude e algumas ligações afetivas:
minha missa de colação de grau em Direito coincidiu com o dia de Nossa Senhora
do Carmo. Recordo-me também agora de que a nossa missa em ação de graças pela
conclusão do segundo grau teve lugar na Igreja Nossa Senhora do Carmo, do Sion.
Perto da minha casa há um mosteiro de monjas carmelitas, das quais eu sempre
tive inveja – não sei se no bom ou no mau sentido –, em razão da sua heroica
coragem de deixar o mundo e generosidade para com Deus. (Na verdade, parece-me
que enclausurado, fora dos muros do Carmelo, encontra-se o mundo. Livres são as
irmãs). Santa Teresa foi uma das leituras favoritas da minha adolescência e
juventude. E ainda hoje o é.
Quando
menino eu não gostava de cidades históricas. Achava-as tristonhas. Os passeios
em Ouro Preto sempre me pareciam enfadonhos. Chegado, porém, à idade adulta,
elas passaram a atrair-me irresistivelmente. E, nessas idas e vindas, conheci
Tiradentes, já com vinte e seis anos.
Gostei
tanto da cidade que passei a ir até lá várias vezes ao ano, dedicando-lhe pelo
menos alguma parcela das minhas férias. Muitas vezes, a parcela única, total. E
foi assim que descobri uma das maravilhas escondidas do mundo: a novena de Nossa
Senhora do Carmo em São João del-Rei (que é bem próxima a Tiradentes). É tal o
esplendor da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, são tão solenes os dias de
preparação e os festejos da Rainha do Monte Carmelo, tão extraordinárias as
execuções barrocas da bicentenária Orquestra Ribeiro Bastos, que eu me arrisco
a afirmar isto: a festa de Nossa Senhora do Carmo em São João del-Rei, com sua
novena preparatória, é uma das sete maravilhas escondidas do mundo. Não se
trata de uma apoteose, de uma epifania, apenas para mim. Trata-se de um colosso
maravilhosamente escondido, um tesouro encravado entre as serras de Minas.
Que
há nessa novena, que há nessa festa? Beleza, tradição e devoção. É possível sentir
a fé de nossos avós em sua pureza genuína, simples e profunda, cercada,
adornada de grande dignidade, de uma suntuosidade real. Ali se tem a impressão
de que a Rainha dos Anjos recebe homenagens mais condignas. De que a misteriosa
realeza de Deus deixa-se entrever, deixa escapar algumas faíscas. Há uma pompa
real na igreja, na música, nas imagens, na procissão e na própria cidade que a
procissão percorre.
Após
as missas às 18h30, há a magnífica novena, enriquecida pela execução de obras
antigas e belíssimas por parte da orquestra, entremeada de esplêndidas
pregações de aproximadamente meia hora. Costumam ser três os pregadores, que se
substituem a cada três dias. Não raro um dos pregadores é um bispo. Um detalhe
que a meu ver enriquece o ato é o uso do púlpito antigo, localizado no meio da
Igreja, no alto.
A
procissão com as belíssimas imagens barrocas de Nossa Senhora do Carmo e São
Simão Stock merece uma especial menção. É tocante a parada da imagem de Nossa
Senhora diante do cemitério da Ordem Terceira do Carmo, como que a significar a
visita da Mãe de Deus às almas do purgatório, para trazer-lhes alívio e
levá-las definitivamente ao paraíso. Na missa das três horas, no dia da Virgem
do Carmo, há a imposição do escapulário para aqueles que se inscreveram
previamente na Confraria do Escapulário. Vale lembrar que o uso do escapulário,
mediante o necessário rito de imposição pelo sacerdote, é enriquecido com
abundantes graças espirituais que testemunham o favor de Nossa Senhora pelos
carmelitas.
Ainda
se destaca nos dias da novena a disponibilidade de inúmeros sacerdotes para o
atendimento de confissões individuais, artigo raro em dioceses devastadas pela
teologia da libertação, mas abundante na bela e conservadora São João. A São João
del-Rei dos sinos, referência nos artefatos litúrgicos, efervescente na música,
de Dom Lucas Moreira Neves, de Nhá Chica resiste valentemente à crise de
identidade católica que destroça vários lugares do Brasil.
Quero
eu persuadir a tantos quantos eu possa, a tantos quantos têm sede de água viva,
têm fome de Deus e do belo, que pelo menos uma vez na vida se permitam
desfrutar da sétima maravilha escondida do mundo, participando da novena (ainda
que por alguns dias) e da festa de Nossa Senhora do Carmo em São João del-Rei.
Paul Medeiros Krause