“O primeiro efeito que
preveríamos [da infiltração cultural do nominalismo], ou que observaríamos, é o
da desvalorização do homem, a partir da desvalorização do conhecimento. Se se
retrai ou contrai o conhecimento, é o homem que diminui. A catástrofe
epistemológica será acompanhada inevitavelmente de uma catástrofe cultural e
humanística. Resta saber em que direção se desvalorizou o homem. A história nos
diz que essa degradação, disfarçada nos primeiros lances com as cores da
emancipação, consistiu numa atenção voltada para a relação Homem-Natureza mais
do que para as relações Homem-Deus e Homem-Homem.
Poderemos conceder que o
nominalismo tenha contribuído para o progresso da Ciência positiva, que em si é
um bem de inestimável valor? Até certo ponto cremos que o nominalismo ajudou o
progresso científico. Quando mais não seja pelo fato de desviar maior número de
estudantes bem dotados para a pesquisa científica do que para as especulações
teológicas.
O que é indubitável é que o
nominalismo, pelo descrédito trazido à teologia e à metafísica, produziu o ‘cientificismo’,
isto é, a cultura comandada pela ciência, em vez de ser comandada pela religião
e pela filosofia. Acompanhando a tendência empirista, vem a tendência ‘quantitativista’
e materializadora, que mais tarde, a partir de Descartes, ganhará enorme vigor.
Outro efeito, de incalculáveis consequências, é o processo armado pelo
nominalismo contra o ‘senso comum’. E ainda assinalaríamos o que chamamos a ‘desvalorização
do valor’ especialmente promovida pelo positivismo, que é a mais virulenta
reedição moderna do velho nominalismo.
Merece ainda menção especial um
prejuízo trazido pelo descrédito da metafísica e pela depressão da cultura
religiosa dos tempos modernos: referimo-nos aos fatores que molestarão, durante
quatro séculos, o desenvolvimento do ideal democrático, que seria a mais bela
aquisição cultural dessa civilização se não estivesse ferida por tantos golpes.
[...]
A cândida ideia que ocorrerá a
muitos espíritos é a seguinte: na continuação dos tempos, a Ciência polirá
todas as arestas do Velho Homem, iluminará todas as trevas, resolverá todas as
dificuldades. Ora, essa ideia, comicamente falsa, extravagantemente falsa, foi
difundida e tornou-se o ar que respiramos e a água que bebemos; e isto só
aconteceu porque a Civilização Ocidental Moderna já não tinha à sua presidência
os dados da antiga sabedoria. Se a tivesse, ouviria a censura clara e irrefutável:
a ciência dos elementos exteriores aumenta o domínio do homem sobre eles, mas não
acrescenta nada ao domínio do homem sobre si mesmo. Conhecer a natureza inferior é
bom; conhecê-la em detrimento do conhecimento da alma e de Deus não é bom.”
(Gustavo Corção, “Dois amores –
duas cidades”)
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