Há
dois ou três anos, fiz a confissão mais tocante da minha vida. Creio que jamais
a esquecerei. Aproximei-me do sacerdote profundamente humilhado, envergado,
esmagado pelo peso das minhas culpas. Não tinha quase coragem de olhá-lo nos
olhos. Estava preparado para apanhar a pauladas e ser escorraçado do
confessionário aos pontapés. Eu esperava severas, duríssimas, acérrimas
admoestações da parte do ministro de Deus. Mas, para minha surpresa, ele tratou-me
com uma brandura e delicadeza tão inesperadas, tão suaves, aliviou-me de tantos
pesos e dúvidas, que eu desabei.
O
sacerdote era tão humilde! Falava-me como se ele próprio pudesse cometer
aqueles mesmos pecados – ou até piores! –, não fosse uma especial proteção de
Deus. Suas palavras pareciam tocar alguma mola ou algum tipo de sentido interior
da minha alma, produzindo o assustador efeito de uma convulsão de soluços e um
jorrar de lágrimas totalmente imprevistos. A cada palavra sua era como se, um a
um, pesos inconcebíveis fossem retirados de cima das minhas costas, ou de
dentro do meu peito, ou de cima da minha alma, pesos que me esmagavam, que me
trituravam, que me repartiam.
Era
uma sexta-feira. Solenidade do Sagrado Coração de Jesus. Só me dei conta disso
depois, talvez na tarde do mesmo dia. Confessei-me aproximadamente às onze horas
da manhã.
Desde
aquele dia de luz solar prateada e céu azul com poucas nuvens, tenho uma
especial devoção pela Solenidade do Sagrado Coração, pois acredito que Jesus
Cristo emprestou misteriosamente seu coração ao sacerdote naquela sexta-feira.
Até que me provem o contrário, estou convencido de que o Divino Coração tenha,
nos seus desígnios solares, desejado que eu tivesse uma profunda experiência da
sua misericórdia na data da sua solenidade.
“Vinde a mim, vós todos que estais cansados
e sobrecarregados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre
vós o meu jugo e aprendei de mim, porque eu sou manso e humilde de coração; e
achareis descanso para as vossas almas. Pois o meu jugo é suave, e o meu fardo
é leve.” (Mateus 11, 28-30)
Esses
versículos da escritura encarnaram-se naquele dia luminoso e ameno. O próprio Jesus
Cristo, com sua mansidão e suavidade, numa espécie de esconde-esconde, parecia
estar oculto naquele homem de batina preta. Aquele dia foi para mim a
experiência profunda do alívio, do repouso, do descanso, da mansidão.
Quando
eu leio o “Castelo interior ou Moradas” de
Santa Teresa de Ávila, tenho sempre a impressão de que me encontro nas segundas
moradas. Eu sinto os tiros de canhão, o barulho do arsenal da artilharia
infernal, a luta encarniçada das hostes inimigas, a me rasgarem por dentro,
ensurdecendo-me com os seus estampidos. Sinto os meus sentidos revoltosos,
confusos, magoados por terem sido usados contra o seu criador. Eu não
acreditaria na descrição que Santa Teresa faz das segundas moradas se eu não
sentisse com tal realismo a precisão dos seus conceitos e a exatidão das suas
figuras. Se eu não apalpasse com as minhas próprias mãos a duríssima realidade
da sua descrição, creio que teria dificuldades de levar a sério as suas
palavras.
Sim,
meus amigos, parece que me encontro ali, nas segundas moradas de minha alma,
fazendo a contínua experiência da misericórdia de Deus, após as mordidas das víboras
e o inchaço consequente. Sentindo o ardor do veneno e sorvendo a doçura do
antídoto. Aguardando que o Coração de Jesus Cristo me visite e me convide para
aposentos mais íntimos.
Paul Medeiros Krause
Nenhum comentário:
Postar um comentário