“Ora, essa é exatamente a
reivindicação que venho fazendo para o cristianismo. Não simplesmente que ele
deduz verdades lógicas, mas que quando de repente se torna ilógico, ele
encontrou, por assim dizer, uma verdade ilógica. Ele não apenas acerta em
relação às coisas, mas também erra (se assim se pode dizer) exatamente onde as
coisas saem erradas. Seu plano se adapta às irregularidades ocultas e espera o
inesperado. É simples no que se refere à verdade sutil. Admite que o homem tem
duas mãos, mas não admite (embora todos os modernistas lamentem o fato) a
dedução óbvia de que tenha dois corações.
Meu único propósito neste
capítulo é mostrar isso; mostrar que quando sentimos a existência de algo
estranho na teologia cristã, geralmente vamos descobrir que existe algo
estranho na verdade.
Eu aludi a uma frase absurda que
afirmava que não se pode crer neste ou naquele credo em nossa época. É claro
que se pode acreditar em qualquer coisa em qualquer época. Mas, embora pareça
estranho, há de fato um sentido em que um credo, quando digno de alguma crença,
pode ser abraçado mais firmemente numa sociedade complexa do que numa simples.
Se um homem julgar que o cristianismo é verdadeiro em Birmingham, ele realmente
tem razões mais claras para ter fé do que se o tivesse julgado verdadeiro em
Mércia. Pois quanto mais complicada parecer a coincidência, tanto menos ela
pode ser uma coincidência. Se caíssem flocos de neve na forma, digamos, do
coração [brasão] de Midlothian, poderia ser um acidente. Mas se caíssem flocos
de neve com a forma exata do labirinto de Hampton Court, acho que se poderia
chamar isso de milagre.
É exatamente esse tipo de milagre
que passei a perceber na filosofia do cristianismo. A complicação do nosso
mundo moderno prova a verdade do credo mais perfeitamente do que qualquer um dos
simples problemas das épocas de fé. Foi em Notting Hill e Battersea que comecei
a ver que o cristianismo era verdadeiro. É por isso que a fé tem aquela elaboração
de doutrinas e detalhes que tanto incomoda os que admiram o cristianismo sem
acreditar nele. Quando alguém abraça uma crença, essa pessoa se sente orgulhosa
de sua complexidade, como os cientistas se sentem orgulhosos da complexidade da
ciência. O fato mostra como ela é rica em descobertas.”
“Foram Huxley, Herbert Spencer e
Bradlaugh que me trouxeram de volta à teologia ortodoxa. Eles me semearam na
mente as primeiras fortes dúvidas da dúvida. Nossas avós estavam muito certas
quando diziam que Tom Paine e os livres-pensadores perturbavam a cabeça. Perturbavam
mesmo. Perturbaram a minha de um modo horrível. O racionalista me fez perguntar
se a razão tinha alguma utilidade qualquer; e, quando terminei Herbert Spencer,
eu já fora tão longe que duvidei (pela primeira vez na vida) se a evolução
havia sequer acontecido. Quando depus a última das palestras ateias do Coronel
Ingersoll, irrompeu o terrível pensamento: ‘Tu quase me persuadiste a ser cristão’.
Eu o era de um modo desesperado.”
“O cristianismo era atacado de
todos os lados e por todas as razões contraditórias. Mal um racionalista
acabara de demonstrar que ele pendia demais para o oriente, outro demonstrava
que ele pendia demais para o ocidente. Mal a minha indignação se arrefecera
diante de sua configuração quadrada angular e agressiva, minha atenção era
novamente chamada para observar e condenar sua irritante natureza redonda e
sensual.”
“O caso começou a ficar
alarmante. Não parecia tanto que o cristianismo era suficientemente perverso a
ponto de incluir qualquer vício, mas sim que qualquer pau era bom para bater
nele. Como seria essa coisa assombrosa que as pessoas queriam tanto
contradizer, a ponto de fazê-lo sem importar-se de contradizer-se a si mesmas?”
(Gilbert Keith Chesterton, “Ortodoxia”)
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