quinta-feira, 12 de junho de 2014

"QUADROS DE UMA EXPOSIÇÃO", GUSTAVO CORÇÃO

 
"Visitando outro dia a exposição dos quadros pertencentes ao Museu de Arte de São Paulo, que durante um mês estiveram exibidos no Rio, pude fazer, ou refazer, a viva e convincente experiência da perenidade da arte. Contra a moderna tendência que vê na sucessão de obras, de escolas, de buscas, mais a fugacidade do que a permanência, mais as procuras instáveis do que as conquistas, mais o efêmero do que o definitivo, e sobretudo mais os movimentos do que as obras, sempre tive como postulado fundamental de sã filosofia estética que não existe superação e substituição no processo evolutivo da arte, como realmente existe no progresso da técnica. Uma locomotiva supera, substitui, torna obsoleta a diligência que transportou nossos avós; mas não há obra de arte que torne obsoleta outra obra de arte. Os quadros se sucedem no tempo de surgimento, na hora de entrar no grande salão universal que um dia, no último dia, estará completo; e então mostrará, a Deus e aos anjos, a coleção de gestos com que uma estranha raça glosou o mote fundamental da humana essência, assim como quem diz: – Quereis saber o que é um homem? Aí está a variedade que nasce na riqueza de uma alma racional... Sucedem-se as obras, chega uma após outra, condicionada, marcada pelo século, mas não subordinada, não determinada pela história. O século passa com seus outros sinais fugazes, a obra fica. O século passa com seus outros sinais fugazes, a obra fica. E não fica apenas como permanecem nos museus os utensílios e ferramentas de outras eras, comoventemente ridículos, a lembrar o tempo em que o homem engatinhava naquele ofício. A genuína obra de arte fica e permanece presente. Seu valor, embora colorido do ambiente em que surgiu, transcende às circunstâncias e às épocas, marcando uma vitória sobre o tempo. Anda assim errado o artista que tem, como primeira e principal, a preocupação de ser de seu tempo. Submete-se assim ao que deve vencer; prende-se ao condicionamento de que se deve livrar; e com tal alienação só poderá fazer obra medíocre de imitação servil recomendada pela moda e exaltada por uma espécie de colunismo social, que tanto existe para vestidos como para as artes, e até para o apostolado religioso.”
 
(Gustavo Corção, “O desconcerto do mundo”)

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