quarta-feira, 21 de maio de 2014

"INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO", A OBRA-PRIMA DE JOSEPH RATZINGER (TRECHO)

"Prefácio à reedição de 2000


'Introdução ao Cristianismo' -- ontem, hoje e sempre


Desde a redação desta obra passaram-se mais de trinta anos em que a história universal continuou avançando em ritmo acelerado. São dois os anos que, na retrospectiva, marcaram de modo especial as últimas décadas do milênio recém-concluído: 1968 e 1989. O ano de 1968 assinala a rebelião de uma nova geração que não só julgou insuficiente, cheia de injustiças, de egoísmo e de avareza a obra de reconstrução do pós-guerra, como reputou errado e fracassado todo o percurso da história a partir da vitória do cristianismo. Ela começaria a fazer tudo melhor, edificando, finalmente, o mundo da liberdade, da igualdade e da justiça; além disso estava convencida de ter encontrado na grande corrente do pensamento marxista o caminho que levaria a essa meta. O ano de 1989 trouxe a derrocada inesperada dos regimes socialistas na Europa que deixaram atrás de si a herança triste de uma terra arrasada e de almas destruídas. Quem esperava, então, ter chegado a nova hora da mensagem cristã viu-se frustrado. Apesar de não ser pequeno o número de fiéis cristãos no mundo todo, o cristianismo não conseguiu apresentar-se como alternativa memorável nesse momento histórico. No fundo, a doutrina marxista da salvação, se bem que dividida em variantes diversas de instrumentalização, era vista como o único roteiro para o futuro, baseado em motivação ética e, ao mesmo tempo, em conformidade com a visão científica do mundo. Por isso não chegou a desaparecer simplesmente após o choque de 1989. Basta lembrar a pouca repercussão que tiveram os relatos dos horrores dos gulags comunistas e o esquecimento em que logo caiu a voz de Soljenitsin: são coisas de que não se fala. Existe uma espécie de vergonha que o proíbe; até mesmo o regime assassino de Pol Pot só parece merecer rápidas menções casuais. Mesmo assim sobrou uma sensação de decepção e uma profunda perplexidade. Já não se confia em grandes promessas morais, afinal, o próprio marxismo se tinha considerado uma delas. A meta era: justiça para todos, paz, abolição de formas de governo injustas etc. Para alcançar objetivos tão nobres, viram-se obrigados a cancelar no percurso os fundamentos éticos, podendo inclusive recorrer ao terror como meio para alcançar o bem. Depois de terem vindo à luz, pelo menos durante uns momentos, os escombros do humanitarismo que resultaram desse pensamento, opta-se agora por um recuo ao pragmatismo, quando não se confessa abertamente uma atitude de desprezo pelo elemento ético. Um exemplo trágico pode ser observado na Colômbia onde se começou, inicialmente sob auspícios marxistas, uma luta pela libertação dos pequenos agricultores pisados pelos grandes capitalistas. Com o tempo formou-se de fato uma república de rebeldes que, constituída hoje à margem do poder do Estado, explora abertamente o tráfico de drogas e nem procura mais nenhuma justificativa moral, ainda quando é sabido que está satisfazendo uma demanda que vem dos países ricos e que está dando emprego e pão a muitas pessoas que dificilmente encontrariam um lugar na ordem econômica vigente. Numa situação de tal perplexidade, o cristianismo não deveria reencontrar a sua voz, 'introduzindo' o novo milênio na sua mensagem e tornando-a compreensível, para que possa servir de roteiro em direção ao futuro?
 
Onde estava a voz da fé cristã em todo esse tempo? Em 1967, quando este livro foi escrito, estava em pleno andamento a efervescência que caracterizou os primeiros anos depois do Concílio. Exatamente esse tinha sido o propósito do Vaticano II: conferir ao cristianismo novamente a força de fazer história."

 

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