O art. 295, parágrafo único,
inciso II, do Código de Processo Civil diz: “Considera-se
inepta a petição inicial quando da narração dos fatos não decorrer logicamente
a conclusão”.
Embora o texto acima transcrito
seja oriundo de uma norma legal, do específico mundo do direito, a ideia nele
contida é perfeitamente aplicável à ideológica correlação que se faz entre o
celibato dos padres e os crimes de pedofilia praticados por alguns deles.
Há alguns dias, Carlos Alberto Di
Franco publicou no “Estado de São Paulo” um excepcional artigo intitulado
“Igreja, uma megacobertura”. Do seu texto, extraem-se essas valiosas
informações:
“O conhecido sociólogo italiano Massimo Introvigne mostrou que, num
período de várias décadas, apenas 100 sacerdotes foram denunciados e condenados
na Itália, enquanto 6 mil professores de educação física sofriam condenação
pelo mesmo delito.
Na Alemanha, desde 1995, existiram 210 mil denúncias de abusos. Dessas
210 mil, 300 estavam ligadas ao clero, menos de 0,2%. Por que só nos ocupamos
das 300 denúncias contra a Igreja? E as outras 209 mil denúncias? Trata-se,
como já afirmei, de um escândalo seletivo.”
Linhas acima, Di Franco havia
afirmado:
“O exame sereno, tecnicamente responsável, mostraria, acima de qualquer
possibilidade de dúvida, que o número de delitos ocorridos é muitíssimo menor
entre padres católicos do que em qualquer outra comunidade.”
Em um sentido diametralmente
oposto ao de Di Franco, mas também no “Estadão”, li ontem, 26/3/2013, o curioso
artigo de Arnaldo Jabor: “Teologia da libertação sexual”. Embora eu me condoa e
lamente profundamente o episódio por ele narrado e no qual figura como vítima –
a Igreja realmente tem de ter tolerância zero com a pedofilia, cortando na
própria carne –, o artigo de Jabor abusa dos lugares comuns, revela leitura
ligeira e compreensão superficial da teologia católica e evidencia a inépcia
com que a imprensa tantas vezes tem tratado do assunto. Da narração dos fatos
não decorre logicamente a conclusão. Jabor acusa a Igreja de medievalismos, só
que não se deu ao cuidado de ler Santo Agostinho. Santo Agostinho é mais
moderno do que a ideia que Jabor tem da Igreja. Os estudos teológicos de
Arnaldo Jabor não chegaram ao século IV!
Por que o Arnaldo não propõe
acabar com o celibato dos professores de educação física? Seria mais lógico.
Ou, se os professores de educação física da Itália não são celibatários, por
que razão vincular o celibato com a pedofilia? E na Alemanha: qual é o grupo que
responde pela maior parte dos casos de denúncias de pedofilia? Confesso que não
sei, mas talvez a imprensa devesse saber.
Façamos um exercício de
raciocínio. Dentre os padres católicos, a maior parte vive o celibato, que por
sinal atravessou séculos isento dessa avalanche denuncista. Uma mínima parcela
cometeu crimes de pedofilia. Esta parcela vivia o celibato? Era homossexual ou
heterossexual? Pelo que se tem notícia, a maior parte dos casos de pedofilia no
interior da Igreja deu-se entre pessoas do mesmo sexo. Então, por que não relacionar
a pedofilia com o homossexualismo, em vez de relacioná-lo com o celibato,
vivido pela maioria? Os padres pedófilos eram celibatários ou homossexuais?
Do nada, nada surge. Da
abstinência sexual não pode surgir uma prática sexual. A prática sexual
depravada só pode surgir entre os que têm vida sexual ativa, seja ela evidente
ou oculta. É preciso distinguir o celibato real, verdadeiro, exercitado, do
celibato aparente, simulado, fictício, irreal. Deve-se separar o celibato
autêntico do falso. E a seleção dos candidatos ao sacerdócio deve ser capaz de
distinguir os celibatários autênticos dos dissimulados.
Ora, a ideologia de emancipação
dos homossexuais repele a conexão existente entre homossexualismo e pedofilia,
não porque esse elo contrarie os fatos, mas porque desmente a teoria. Para as
ideologias, o confronto com os fatos é uma espécie de exorcismo. Por que se
fuzilam opositores a regimes ideológicos? Porque eles falam, e as palavras
verdadeiras têm uma força assustadora.
As ideologias repelem os fatos
como o diabo repudia a cruz. E o que o diabo faz no possesso quando vê o
crucifixo? Grita e se contorce. Não é o que os defensores dos direitos dos
homossexuais fazem quando se lhes opõem os fatos? O psicólogo holandês Gerard
J. M. van den Aardweg, Ph.D. pela Universidade de Amsterdã, e o perito espanhol
José María Amenós Vidal já demonstraram estatisticamente que o número de casos
de pedofilia entre homossexuais é significativamente maior do que entre
heterossexuais, o que constitui mais um ponto desfavorável à adoção de crianças
por aqueles. Mas, a ideologia não nutre amor pelos fatos. Coincidentemente, o
diabo, nossa alegoria, é chamado “pai da mentira”.
Na verdade, os defensores da
causa gay, como de resto os últimos comunistas
em extinção, veem a Igreja Católica como seu pior inimigo. Poderoso em força e
em densidade intelectual. Por isso, procuram desacreditá-la.
Por que razão alguns querem
editar a lei da mordaça gay, o PLC
122/2006, antigo PL 5003-b/2001? Para evitar o exorcismo dos fatos, isto é, a
expulsão do diabrete da ideologia.
Por que razão querem retirar
Marco Feliciano da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara? Por que
tanta suscetibilidade com o que ele diz? É como eu lhe disse, leitor, a
ideologia possui e subjuga as pessoas como o demônio possui os indivíduos. Embaraça-lhes
o uso da razão. Põem-lhes escamas nos olhos. A oração que expele o mau espírito
da ideologia é o ritual ou liturgia do confronto com os fatos. O sacramental
utilizado é a água benta da clareza das ideias. Daí os gritos. Daí o
contorcionismo. Os fatos doem. As preces têm eficácia.
O celibato mete medo, causa
pavor. A castidade e a pureza dos padres e das freiras humilham-nos,
desconcertam-nos. Não nos sentimos capazes de imitá-los. Desconfio que também
os que vivem a homossexualidade sintam-se confundidos pelas pessoas
continentes. Estas acusam a nossa sociedade encharcada de sexo. A mesma TV que
promove a sacanagem, hipocritamente, condena a pedofilia. O celibato é um incômodo
feixe de luz atirado aos olhos de quem está no breu, cambaleando, trôpego,
embriagado pelo prazer dos sentidos. (Gostaria de perguntar a Arnaldo Jabor se
prazer e alegria são a mesma coisa). A luz em si é boa, mas incomoda a quem
está nas trevas. A continência sexual em si é boa, mas agride a quem quer comer
o alimento dos porcos. Quem deplora o celibato é porque se sente incapaz de
vivê-lo. Julga impossível aos outros o que é impossível para si. O inepto julga
os demais ineptos.
Se alguém gritar contra este
artigo, não me assustarei. É o exorcismo fazendo efeito. A propósito,
deveríamos ir às ruas para defender o Feliciano. Não basta defendê-lo de longe.
É o estado de direito que está em jogo. A França, outra vez, saiu na frente.
Paul Medeiros Krause
Texto também publicado no site da Revista Vila Nova
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