quarta-feira, 7 de agosto de 2013

MAIS SÃO DOMINGOS, POR CHESTERTON





"Assim, a popular história de São Francisco pode servir como uma espécie de ponte entre o mundo moderno e o medieval de uma outra maneira. E essa maneira baseia-se no próprio fato já mencionado: que São Francisco e São Domingos estão na história como pessoas que fizeram o mesmo trabalho, mas se acham separados na tradição popular inglesa do modo mais estranho e surpreendente. Cada qual em sua terra, eles são como gêmeos celestiais, irradiando a mesma luz do céu, parecendo às vezes dois santos sob um único halo, tal como outra Ordem descreveu a Santa Pobreza como dois cavaleiros num único cavalo. Nas lendas de nossa própria terra, eles estão unidos como São Jorge e o dragão. Domingos ainda é concebido como um inquisidor que inventou instrumentos de tortura para apertar o polegar, enquanto São Francisco já é aceito como um humanista que condenava as ratoeiras. [...]

Mas deve haver algo errado por trás dessa contradição que transforma os que foram aliados em casa em inimigos fora dela. [...] E é claro que a lenda sobre São Domingos é inteiramente equivocada. Quem conhece algo a respeito de São Domingos sabe que ele foi um missionário, não um perseguidor militante; que sua contribuição à religião foi o rosário, não o cavalete de tortura; que toda a sua carreira perde o sentido se não compreendemos que suas famosas vitórias foram vitórias de persuasão, não de perseguição. Ele acreditava que a perseguição se justificava, no sentido de que o braço secular podia reprimir desordens religiosas. E todas as outras pessoas também acreditavam nessa perseguição, inclusive o elegante blasfemador Frederico II, rei alemão e imperador romano, que não acreditava em nada mais. Alguns dizem que Frederico foi o primeiro a queimar hereges, mas, seja como for, ele julgava que um de seus privilégios e deveres imperiais era perseguir hereges. Mas dizer que a única coisa que Domingos fez foi perseguir hereges é como culpar o padre Mathew (que convenceu milhões de bêbados a fazer votos de temperança) pela lei que permite que a polícia prenda alguém bêbado. É desprezar o essencial: a enorme capacidade desse homem de converter, mesmo sendo obrigado a perdoar sua compulsão. A verdadeira diferença entre Francisco e Domingos, que não desmerece nenhum deles, foi que Domingos teve diante de si uma ampla campanha de conversão de hereges, ao passo que Francisco teve apenas de se encarregar da tarefa mais suave de converter seres humanos. Há uma velha história que explica que, embora se possa precisar de um Domingos para converter pagãos ao cristianismo, precisa-se ainda mais de alguém como Francisco para converter os cristãos ao cristianismo. Ainda assim, não podemos perder de vista o problema especial de São Domingos, que era o de lidar com toda uma população, reinos e cidades, bem como localidades rurais que haviam se desviado da fé, transformando religiões novas em algo estranho e anormal. O fato de ele ter conseguido recuperar massas de homens enganados dessa maneira, recorrendo apenas às palavras e à pregação, continua a ser um enorme triunfo que merece um enorme troféu. São Francisco foi considerado humano porque tentou converter os sarracenos e fracassou; São Domingos é considerado injusto e obstinado porque tentou converter os albigenses e conseguiu." (Gilbert Keith Chesterton, "Santo Tomás de Aquino")

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