“(...) Minha mãe, forte na
piedade, já tinha vindo ao meu encontro, seguindo-me por terra e por mar, com a
segurança posta em Vós, no meio de todos os perigos. Era ela que, nos riscos
dos mares, incutia coragem aos próprios marinheiros que costumam animar os inexperientes
navegadores do abismo, quando se perturbam: prometia-lhes a chegada a
salvamento, porque Vós, em visão, lhe havíeis prometido isso.
Encontrou-me em grave perigo, na
desesperação de buscar a verdade; mas, enfim, descobrindo-lhe que já não era
maniqueísta e que também ainda não era católico, não saltou de alegria, como
quem ouve qualquer nova imprevista, apesar de já estar sossegada por eu
abandonar parte da minha miséria, que a fazia chorar por mim como um morto, que
havíeis de ressuscitar. Minha mãe oferecia-me a Vós, no esquife do pensamento,
para que dissésseis a este filho de viúva: ‘Jovem, eu te digo, levanta-te’ – e
para que ele revivesse, começasse a falar e o entregásseis à mãe!
Não foi, portanto, com imoderado júbilo que seu
coração estremeceu, ao ouvir que em grande parte me tinha convertido, graça que
ela todos os dias Vos pedia com lágrimas. Ainda não havia alcançado a verdade,
mas já me tinha arrancado do erro. Tendo a certeza de que Vós, que lhe prometestes
a graça total, me daríeis o que faltava, respondeu-me, com grande calma e com o
coração cheio de confiança, que esperava em Cristo que, antes de partir desta
vida, me havia de ver fiel católico. Foi isto o que me disse. Mas, diante de
Vós, ó fonte de misericórdias, aumentava cada vez mais as súplicas e lágrimas,
para que apressásseis o Vosso auxílio e iluminásseis as minhas trevas. Por isso
corria com mais diligência à igreja, ficando suspensa dos lábios de Ambrósio
como ‘de uma fonte de água que jorra para a vida eterna’. Ela amava este homem
como um anjo de Deus, porque sabia que fora ele quem me tinha levado a flutuar
nesta dúvida. Antevia, com absoluta certeza, que eu ia passar da doença para a
saúde, depois de sofrer de permeio um perigo mais grave, o dessa dúvida, que
era o paroxismo das enfermidades que os médicos chamam estado crítico.” (Santo
Agostinho, “Confissões”)
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